
Foto: Divulgação / O Candeeiro/Arquivo
ARTIGO - STF e a urgência da formação médica no país = Por Janguiê Diniz
Qual é o valor do tempo? Nos últimos dias, acompanhamos comovidos a tragédia da brasileira Juliana Marins, que perdeu a vida ao cair em um precipício durante uma trilha no Monte Rinjani, na Indonésia. Quase quatro dias se passaram entre as primeiras imagens dela ainda com vida e os vídeos do resgate de seu corpo. A angústia era grande, especialmente nas primeiras horas, quando ainda torcíamos por um desfecho positivo. Afinal, em poucas situações o tempo é tão relevante quanto nas questões que envolvem a dicotomia entre a vida e a morte.
Em solo brasileiro, diversas vidas são perdidas diariamente em função de uma demora recorrente: o intervalo entre a busca por ajuda e o efetivo atendimento médico. Não raro, especialmente no sistema público de saúde, o que impede que o socorro ocorra no tempo adequado é a ausência de um instrumento essencial na medicina, constituído de pele, carne e ossos: o médico.
Ciente da urgência e da relevância de ampliar o número de profissionais na área, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem se mostrado, nos últimos anos, um grande aliado da população brasileira. Diante dos entraves e da morosidade do Poder Executivo, a criação de novos cursos de Medicina tem avançado, em grande parte, graças às autorizações concedidas pela mais alta corte do país.
Pelas vias tradicionais, desde 2013 o sistema do Ministério da Educação (MEC) está travado para a solicitação de novos cursos de Medicina. Isso porque o processo foi vinculado ao Programa Mais Médicos, e a abertura de novas graduações na área passou a depender da publicação de editais pelo governo federal.
Como se esse dificultador já não fosse suficiente, os cronogramas previstos raramente são cumpridos. Por exemplo, o edital mais recente, publicado em outubro de 2023, previa para junho de 2024 a divulgação preliminar das propostas aprovadas e para agosto do mesmo ano o resultado final. Estamos a um passo de julho de 2025 e, na semana passada, a divulgação preliminar foi adiada para outubro, com o resultado final previsto apenas para março de 2026. Mantido esse cronograma, o processo acumulará mais de um ano e meio de atraso.
O elevado número de falhas no sistema disponibilizado às instituições e a imposição de novas regras com os processos já em andamento contribuíram significativamente para os atrasos do edital. Há que se registrar que as alterações das diretrizes iniciais com as ações em curso podem, ao final, comprometer a validade de tudo o que tem sido construído ao longo dos últimos anos. Isso porque há sério risco de judicialização, uma vez que modificações após o início do processo configura descumprimento da legislação vigente.
Acontece que vidas em risco não podem esperar. Não fosse a sensibilidade dos ministros do STF para a gravidade da situação, e o entendimento de que a excessiva burocratização do processo em nada contribui para avanços concretos na saúde, há quanto tempo estaríamos sem novos cursos em uma área cuja demanda cresce continuamente?
Aliás, é preciso também superar a compreensão equivocada de que o país dispõe de médicos em número suficiente. Segundo a Demografia Médica 2025, divulgada no final de abril pelo Ministério da Saúde, a proporção de médicos especialistas no Brasil (59,1%) está abaixo da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é de 62,9%. Além disso, o índice de 2,98 médicos por mil habitantes também fica aquém da média da OCDE (3,70), colocando o Brasil na 33ª posição entre 47 nações avaliadas.
Se, por um lado, formar mais médicos não resolverá todos os problemas da saúde pública brasileira, por outro, sem profissionais qualificados para atuar nessa frente, os desafios apenas se agravarão.
Nesse sentido, resta-nos, por ora, a expectativa de que, uma vez que o procedimento que resultou na autorização de novos cursos de Medicina ainda está em andamento no âmbito do STF, haja a possibilidade de uma ampliação significativa no número de autorizações.
É hora, portanto, de as autoridades públicas reconhecerem as limitações da política vigente e avançarem em soluções eficazes, capazes de garantir a presença de médicos em cada espaço onde eles são necessários. E com a celeridade que a situação exige. Caso contrário, a via judicial seguirá sendo o caminho percorrido por muitas instituições de educação superior privadas. Afinal, quando o que está em jogo é a vida, não há tempo a perder.
Janguiê Diniz - Diretor-presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), secretário-executivo do Brasil Educação - Fórum Brasileiro da Educação Particular, fundador e controlador do grupo Ser Educacional, e presidente do Instituto Êxito de Empreendedorismo.