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Foto: Evandro Barbosa / Arquivo Pessoal
CONTO - Catar Cajuí – Por Evandro Barbosa
Amanhecia. O frio não nos demovia da ideia de empreendermos a nossa jornada. Os mais dorminhocos tinham que ser acordados. Para isso tínhamos um assovio característicos do grupo de exploradores.
Um, dois, três ... ao menos cinco eram o suficiente para iniciarmos a caminhada divertida e cheia de estórias. Umas verdadeiras, outras mentirosas, mas que serviam para passar o tempo durante a longa viagem que era sempre fora da estrada. Não nos afastávamos do leito do rio para o caso de alguma emergência.
Nunca aconteceu algo que não fosse esperado ou digno de nota: um arranhão, uma queimadura de lagarta ou de cansanção. Esta sim incomodava, ardia e inchava. Alguém disse que se fizéssemos xixi no local afetado o mal estar logo cessaria. Mentira! Continuava a ardendo e pior, sendo gozado por quem fez o xixi no lugar atingido (precursor do “golden shower”.
Ao longo do caminho íamos percebendo o odor da vegetação: araçá mirim, velame graúdo, bêbada, que se assemelha a cagaita goiana, “cu de pinto” (fruto roxo, coberto por uma penugem, extremamente doce e que deixavam as línguas e dentes arroxeados) e tantos outros odores de frutos não comestíveis, mas que despertavam as nossas sensações olfativas as mais distintas.
Estes aromas até hoje despertam lembranças das nossas infâncias, especialmente o murici.
O terreno por onde optávamos andar não era muito fácil. Era constituído de uma areia solta, o que dificultava a marcha. Era aí que estavam as frutas mais saborosas. Algumas nem tanto. A fruta de pombo por exemplo, depois de ingerida, deixava um travo na boca bastante desagradável. Não importava. O mais chato era quando pisávamos num toco. As caminhadas, quase sempre era feitas descalços para não estragar as nossas sandálias, que se tentássemos usá-las sempre soltavam as tiras, (não eram havaianas. Eram conhecidas como: sarga bundas) quando quebravam, não dava para encontrar um prego ou um pedaço de arame em meio ao mato para improvisar um conserto.
O sol começava a esquentar. A areia também. Era hora de procurarmos as pequenas sombras para esfriar um pouco os pés que, apesar de calejados, ainda ardiam.
Cada um levava a sua capanga individual. Uma espécie de alforge para colocar as frutas coletadas. Eram feitos de tecidos escuros, para que não se notasse as manchas de nódoas deixadas pelas frutas, sem esquecer um estilingue com algumas pedras de seixo que era usadas como munição. Sempre usei, nunca acertei um alvo, seja parado ou movente.
Todos sabíamos que o destino final da nossa jornada era sempre a represa de Aramarí, cidadezinha próxima a nossa. A única fonte de interesse era a represa onde podíamos mergulhar da ponte. Como era bastante alta, não arriscávamos cair de ponta-cabeça. Sempre pulávamos de pé.
Depois de nos deleitarmos com os mergulhos a travessia a nado, hora de voltar. Desta vez, íamos pelo leito da estrada pedindo carona aos raríssimos carros existentes. Quase nunca conseguíamos.
Passados alguns dias, voltamos à cidade, desta vez em um carro que alguém tinha pegado escondido dos pais.
Chegamos a represa. Estava vazia. No local onde havíamos mergulhado, estavam trilhos pontiagudos que alguém tinha colocado para que a gurizada não mais mergulhassem no local.
Gelamos!
Pelos nossos cálculos, Joãozinho, o mais afoito ou mais exibido, sempre mergulhava de ponta-cabeça passando a centímetros dos trilhos pontiagudos.
Milagres acontecem!
Aracaju, dezembro de 2020
Evandro Barbosa é aposentado da Justiça do Trabalho