Foto: Arquivo Pessoal
CONTO - Dia de Jogo - Por Evandro Barbosa
O frio era intenso. Uma espécie de fumaça saía das nossas bocas. Como não dispúnhamos de chuteiras, jogávamos e treinávamos na “paleta” isto é, descalços. Os primeiros garotos que participavam dos treinos matutinos já estavam esperando. Faltava o dono da bola, que era sempre o último a chegar. Em dias de mau humor ele costumava atrasar de propósito. Como era o dono da bola, não precisava participar dos treinos, jogava sempre. Para não incomodar os pais, combinávamos um assobio imitando um pássaro. Chegamos até a bolar um plano que possibilitasse despertar os jogadores sem que fizesse barulho. Consistia em amarrar um cordão no dedão do pé e puxar na hora combinada. Não deu certo. A ponta que ficava na parte de fora da casa nem sempre estava no local. Os movimentos durante o sono sempre saía do lugar, tornando inútil o dispositivo.
Os pernas de pau se esforçavam ao máximo para poder participar dos jogos, sempre aos domingos pela manhã.
Chega o técnico. Todos se dirigem ao campo de areia que na noite anterior tinha servido de dormitório para as vacas que insistiam em defecar em toda a extensão do areial.
Inicialmente dávamos algumas voltas ao redor do campo, desviando dos cocôs que ainda estavam quente apesar do frio.
Antes de começar os treinos com bola, arrumávamos os equipamentos para praticar cabeceio. Amarrava-se uma bola à trave e, em fila indiana, todos tentávamos cabeceá-la. Alguns, devido ao tamanho, nem chegavam perto. Ainda assim, eram obrigados a participar da atividade, com a única finalidade de aperfeiçoar a técnica. Dois dos companheiros jamais participavam. Ficavam zoando quem executava as tarefas, era o dono da bola e o seu irmão.
Após exaustivo treino, tinha início a divisão dos times. A depender do time escalado, já sabia que não sairia jogando. Vestir a camisa de reserva no domingo já era um luxo. A disputa de posição na ponta esquerda era desigual. Baco, um cabra esquelético, bom de bola, não deixava qualquer chance de sair jogando. Só restava contar com a fraqueza física para poder jogar alguns minutos. Eram os minutos em que o time caía de produção. O importante era fazer parte do grupo.
Domingo dia de jogo. A expectativa era grande. As camisas eram distribuídas. Os titulares exultavam de alegria. Os reservas também. Começa o jogo. Tomamos uma goleada. Nenhum reserva entrou em campo. Os reservas muito mais alegres do que os titulares. Era a primeira goleada que levamos jogando fora. Nosso melhor jogador não teve permissão dos pais para ir jogar fora do nosso bairro. Assim teve início a nossa carreira de goleiro que somente a mão esquerda funcionava normalmente.
Evandro Barbosa é aposentado da Justiça do Trabalho