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ARTIGO - Ser patinho feio ou belo cisne: eis a questão = Por Francisco Neto Pereira Pinto
Neste artigo, discutimos a trajetória de transformação do chamado patinho feio em um belo cisne, e o que podemos aprender sobre como estamos formando as novas gerações.
A jornada do patinho feio e a transformação de sua identidade
O patinho feio era o sexto da sua geração de irmãos. Os cinco primeiros filhotes foram saudados pela mamãe pata e pela vizinhança como lindos patinhos, mas o sexto foi considerado feio, horrível, estranho e, até mesmo — como disse uma pata velha — filho de peru, o que o tornava ilegítimo. O patinho resolveu fugir daquele convívio e iniciar uma jornada mundo afora, marcada por rejeição e sofrimento.
Um ponto de virada em sua história ocorreu quando, em um belo dia de primavera, ao pousar em um lago, foi recebido de maneira afetuosa e reverente por três belíssimos cisnes mais velhos. Ao se olhar no espelho da água, não viu mais um pato feio e desajeitado, mas sim um belo cisne. O que teria mudado: foi ele ou foi seu modo de se enxergar? O que aprendemos com sua experiência?
A gente se enxerga com os olhos dos outros
Ao final da leitura do conto, percebemos que o patinho sempre foi ele mesmo — claro que se desenvolveu fisicamente, mas não houve uma transformação de espécie. O fato de se achar feio estava relacionado à forma como era visto por sua família, vizinhança e por todos que encontrou em seu caminho. Se tivesse sido amado e admirado desde o nascimento, certamente a imagem que tinha de si seria outra.
O estádio do espelho e a formação da identidade
Essa é a jornada de todos nós. Ninguém escapa de se olhar pelo olhar dos outros. Jacques Lacan, psicanalista francês, em seu famoso texto “O estádio do espelho como formador da função do eu”, explica como nos tornamos humanos: é a relação que temos inicialmente com nossos cuidadores e, depois, com outras pessoas e com a sociedade, que estrutura nossa identidade e a forma como nos enxergamos.
Antes mesmo de nascer, parte de nossa existência já é antecipada: “é menino ou menina”, diz o médico ao mostrar a tela do ultrassom, ou os próprios pais ao interpretar o exame de sexagem fetal. Ao nascer, o bebê recebe um nome, com o qual depois irá se identificar.
Como explica o psicanalista Jorge Forbes, ninguém escolhe o próprio nome. Porém, assume esse nome como representante de si. Imagine uma sala de aula, quando o professor faz a chamada. Ao ouvir seu nome, a pessoa responde: “sou eu”. Isso mostra como aquilo que recebemos dos outros — especialmente das pessoas mais importantes para nós — influencia profundamente a percepção que temos de nós mesmos.
Aprendemos a nos amar e apreciar quando somos amados e apreciados. Quando recebemos desprezo e ódio, infelizmente, a tendência é nos desprezarmos e nos odiarmos. Felizmente, o patinho encontrou quem o admirasse, e esse encontro foi determinante para que seu olhar sobre si também se transformasse. Pela primeira vez, ele se sentiu bonito — e ficou radiante de alegria.
O que os espelhos estão mostrando?
O patinho feio nos representa hoje: como indivíduos e como coletividade. Para pais e cuidadores, em uma sociedade competitiva, de alto desempenho, que cultua a perfeição e a felicidade como valores supremos, uma pergunta é essencial: o que as crianças que cuido veem no espelho?
Amor
nunca é demais — embora, é claro, isso não signifique atiçar orgulho ou
vaidade. E o que mostra o grande espelho da cultura, do qual ninguém
escapa? Como ficam as representações das pessoas com deficiência,
negras, indígenas, pobres, do campo e tantas outras enquadradas
Ser um patinho feio ou um belo cisne não depende apenas de boa vontade ou esforço pessoal, mas também das construções coletivas. Que o conto “O patinho feio” continue ajudando a nós e às gerações futuras a construir espelhos mais gentis e acolhedores.
Francisco Neto Pereira Pinto é professor universitário e psicanalista, além de escritor de obras infantis como “O menino que selecionava sabores” e “Olha aquele menino, mamãe!”. Marido e pai de dois meninos, ele utiliza a literatura para contribuir para a criação dos filhos e de exercitar a paternidade.
