Foto: Edvaldo Santos Jr.
‘Temporada França-Brasil 2025’ celebra a arte negra contemporânea com talentos femininos do Senegal, França e outros territórios internacionais
Após percorrer as cidades de Bordeaux (França), Abidjã (Costa do Marfim), Iaundé (Camarões) e Antananarivo (Madagascar), a exposição internacional ‘Memória: relatos de uma outra História’ desembarca no Brasil nesta terça-feira, 4, às 18h30.
Integrando a Temporada França-Brasil 2025, o circuito internacional de arte negra chega à Salvador, na Bahia, diretamente no Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (MUNCAB) – localizado na Rua das Vassouras, 25, Centro Histórico – reforçando a cena cultural da ‘cidade mais negra fora da África’.
A mostra recebe a assinatura de artistas negras nacionais e internacionais, oriundas das terras do Senegal, Gana, Zimbábue, República do Congo, Argélia e Madagascar, trazendo influências franco-camaronesas e de outros territórios, tanto da França, como também da Itália, Estados Unidos e Brasil. Em cartaz até 1 de março de 2026, a exposição ‘Memória: relatos de uma outra História’ integra a programação oficial da Temporada França-Brasil 2025.
A temporada, que marca os 200 anos de relações diplomáticas entre Brasil e França, percorreu municípios situados em Belo Horizonte, Distrito Federal, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Recife, Amapá e Fortaleza; até culminar em uma das mais simbólicas paradas do circuito, Salvador (BA), a primeira capital do Brasil.
“A memória é um canto que atravessa o tempo e chega ao agora. O ressoar desse tempo foi capaz de cruzar o Atlântico e, por meio de todas as que vieram antes de nós, se fazer presente neste instante — rompendo as fronteiras da África, alcançando as Américas e a Europa, e se afirmando na diáspora afro-francesa e afro-brasileira. É justamente aí que se encontra Memória: relatos de outra História. Nesse panorama plural e interfronteiriço, abordamos a ideia de uma memória coletiva, tecida pelo fazer feminino — uma miríade de histórias, relatos, perguntas e experiências que habitam nossas memórias individuais, pessoais e íntimas. Este é um convite à escuta e à partilha a partir de perspectivas contra-hegemônicas que, apesar de todas as tentativas de fragmentação, seguem se afirmando como uma das maiores forças deste século”, comenta Jamile Coelho, que assume a co-curadoria da mostra.
Sob o olhar curatorial de Nadine Hounkpatin (Benin/França) e Jamile Coelho (BR) , a exposição reúne uma multiplicidade de técnicas, entre pintura, têxteis, escultura, vídeo e performances, dispostas no 2º andar do Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira.
Levando o público à um mergulho nas camadas da memória como território vivo, coletivo e em constante reconstrução, a mostra incentiva o diálogo sob múltiplas narrativas de “ser” uma mulher negra afro-diaspórica. Para isso, confronta o distanciamento do ponto de vista pessoal e singular, valorizando a experiência subjetiva como força criativa e política.
Essa construção, que usa recursos táteis e audiovisuais, fotografias, 3D e capturas em vídeo, para atrair a atenção e a admiração do público; trazem a assinatura de:
Amélia Sampaio (Brasil/França), Barbara Asei Dantoni (França/Itália/Camarões), Barbara Portailler (Madagascar/França), Beya Gille Gacha (França/Camarões), Dalila Dalléas Bouzar (Argélia/França), Enam Gbewonyo (Gana/Reino Unido), Fabiana Ex-Souza (Brasil/França), Gosette Lubondo (República do Congo), Josèfa Ntjam (França/Camarões), Luana Vitra (Brasil), Luma Nascimento (Brasil), Luisa Magaly (Brasil), Madalena dos Santos Reinbolt (Brasil), Maria Lídia dos Santos Magliani (Brasil), Myriam Mihindou (França/Gabão), Na Chainkua Reindorf (Gana/EUA), Selly Raby Kane (Senegal), Charlotte Yonga (França/Camarões) e Tuli Mekondjo (Namíbia) e YêdaMaria (Brasil).
“Eu acredito no pan-africanismo cultural: em artistas tecendo uma rede de conexão diaspórica, em solidariedade, em colaboração — não apenas entre artistas, mas também com as artivistas e profissionais que participam da criação da exposição nos países por onde Memória passa. Trabalho com artistas locais, escritores, pensadores, educadores— todos criando, juntos, Memória. Acredito em mulheres pretas atuando em sororidade e colaboração”, explica Nadine Hounkpatin.
A ‘Memória’ em três tempos: íntimo, político e futurista
Dividida em três fragmentos, a exposição ‘Memória: relatos de uma outra História’ traz diferentes núcleos e artistas à frente de cada narrativa. A primeira delas, o “Capítulo I: do íntimo ao universal: recriando uma história compartilhada”, traz esculturas têxteis, a riqueza namibiana e relatos íntimos de um chefe de aldeia à França; com destaque para o audiovisual da artista franco-gabonesa Myriam Mihindou.
Durante a performance em plano fixo, a autora recorre a expressões corporais e à força da palavra para narrar uma história profunda sobre identidade e autoestima. Intitulada La Robe Envolée, a performance foi originalmente apresentada em junho de 2008, durante o workshop Afri Calls?, realizado na Espanha, e será exibida em primeira mão durante o período da mostra.
Na sequência, os visitantes imergem no “Capítulo II: a memória como ferramenta política”, que examina a dimensão crítica da memória, tanto coletiva quanto individual. Nesse estágio da mostra, o público é confrontado com questões relacionadas ao gênero, ao pós-colonialismo, à representação do corpo negro e à exploração de corpos e recursos naturais.
Essa liberdade de expressão permite com que surjam a tona fotografias do Congo em seu período colonial, fragmentos da história e até mesmo peças de roupa, como a meia-calça cor da pele, item íntimo escolhido pela artista ganense Enam Gbewonyo para representar um símbolo de desigualdade e invisibilização.
O prelúdio da arte contemporânea negra e afro-diaspórica, sob um novo futuro, é reimaginado durante o “Capítulo III: confabulações, ficções e outras imaginações”. Nessa sessão, novas linguagens, narrativas afrofuturistas e até capitais africanas fantasiosas ganham forma através de um conjunto de trabalhos artísticos, sob o olhar sensível de artistas como Josèfa Ntjam e Selly Raby Kane.
De acordo com Cíntia Maria, diretora do MUNCAB, essa intersecção entre África, França e Brasil é um marco para a cultura negra, esse movimento simboliza uma virada histórica. Para a profissional, o primeiro passo rumo à internacionalização do museu já foi dado através da exposição ‘Raízes: Começo, meio e começo’, que estreou no sul da França, levando a assinatura de 18 artistas nacionais em reflexões afro-diaspóricas.
Juntamente a mostra ‘Memória: relatos de uma outra História’, o MUNCAB também estará sediando a exposição ‘Ancestral: Afro-Américas’, que possui direção artística de Marcello Dantas e curadoria de Ana Beatriz Almeida. Os visitantes poderão conhecer cerca de 160 obras de artistas negros do Brasil e dos Estados Unidos, levando uma reflexão crítica sobre a diáspora africana, através das artes visuais.
“Esse é um momento único para nós e para o MUNCAB. Estamos vindo da exposição ‘Raízes’, em Marselha (FR), e agora emplacamos a mostra ‘Memória: relatos de uma outra História’’, no Brasil, trazendo artistas da África, França e de outras regiões. Estamos trilhando o caminho rumo ao título de ‘pólo da arte negra contemporânea’, e essa é uma conquista direto do Brasil, da Bahia e de Salvador; e das nossas raízes africanas que sempre acompanhou os nossos ancestrais”, conclui Cíntia.
A exposição é uma realização do Ministério da Cultura, Petrobras e Embaixada da França no Brasil, em parceria com o MUNCAB, sob a gestão da Amafro.
Serviço
[Exposição internacional ‘Memória: relatos de uma outra História’]
(Temporada França-Brasil 2025)
Quando: 04 de novembro de 2025 a 1 de março de 2026
Onde: Museu Nacional da Cultura Afro-Brasileira (MUNCAB) – Rua das Vassouras, Centro Histórico, Salvador
