
Foto: Divulgação/Arquivo O Candeeiro
ARTIGO - Papa Francisco: o serviço pela escuta = Por André Naves
Desde o início de seu pontificado, Papa
Francisco apresentou ao mundo uma nova forma de liderança espiritual:
humilde, próxima, profundamente humana. Longe da ostentação e da rigidez
institucional, seu modo de atuar foi marcado por uma virtude
revolucionária na prática e no simbolismo: a escuta. Em vez de se
posicionar como aquele que detém todas as respostas, Francisco escolheu o
caminho da atenção sensível ao outro, reconhecendo que o verdadeiro
ensinamento nasce do encontro sincero com
as dores, as alegrias e as esperanças do próximo, especialmente dos
marginalizados, na construção coletiva de caminhos de justiça e
inclusão. Essa postura não é apenas um método de comunicação, mas uma
teologia encarnada, que reconhece a
dignidade e o protagonismo dos excluídos como centrais para a
transformação social.
Francisco não ensinava por imposição,
mas por convivência, com uma escuta ativa, comprometida, visceral. Ele
não ouvia apenas para responder, mas para compreender, para se deixar
tocar e transformar. Essa postura foi fruto de uma trajetória forjada
nas margens de Buenos Aires, nas “franjas” da sociedade, onde conviveu
com o sofrimento humano em sua forma mais dramática. Lá, aprendeu que a
realidade social pode ser cruelmente excludente e amarga – e que
qualquer transformação verdadeira só
nasce quando se parte do concreto, da experiência vivida, do clamor dos
invisibilizados.
"Sujando os pés no barro da realidade",
percebeu que a justiça não se decreta – ela se constrói a partir da
escuta das vozes silenciadas. Em encontros com comunidades faveladas,
refugiados ou indígenas, ele não chegava com soluções prontas, mas
com a pergunta: "O que vocês precisam? Como a Igreja pode caminhar ao
seu lado?". Essa disposição de aprender com o outro desmonta hierarquias
e permite que a mensagem cristã frutifique em respostas concretas, como
políticas de inclusão ou
denúncias contra a economia que mata (cf. *Evangelii Gaudium*).
O Papa caminhava com os pobres não para
lhes ensinar a salvação, mas para, junto deles, encontrar caminhos de
justiça e libertação. Sua missão foi a de servir, e seu serviço foi a
inclusão. Ao ouvir os excluídos, Francisco reconheceu neles não
apenas destinatários de ajuda, mas sujeitos plenos, dotados de voz,
saber e dignidade. Sua escuta foi, portanto, um ato profundamente
político e espiritual; a ferramenta por meio da qual construiu,
coletivamente, uma cultura do encontro, que valoriza o
protagonismo de cada pessoa e comunidade.
As viagens pastorais de Francisco são
ilustrações poderosas dessa escolha radical. Longe dos palácios
vaticanos, ele preferiu as favelas, os campos de refugiados, os
hospitais, os presídios. Não temeu sujar sua batina com o barro das
vielas – ao
contrário, ele buscou essas marcas como símbolos de um sacerdócio
encarnado na realidade. Em sua visita à comunidade de Manguinhos, no Rio
de Janeiro, sintetizou essa postura de forma singela e profundamente
significativa: “basta colocar água no
feijão”. Com essa frase, ele exaltou o verdadeiro “jeitinho brasileiro” –
a solidariedade – como expressão de esperança e partilha em meio às
dificuldades.
Essa prática pastoral encontra eco e
coerência no pensamento teológico de Francisco. Suas encíclicas – entre
as quais se destacam Laudato Si’, Fratelli Tutti e Evangelii Gaudium
– são verdadeiros tratados sobre os desafios
contemporâneos. Nelas, ele refletiu sobre o cuidado com o meio ambiente,
a centralidade do trabalho, a importância da saúde mental e emocional, a
urgência de políticas inclusivas e a necessidade de um novo pacto
social baseado na fraternidade
universal. Mas, mesmo nesses escritos, o tom não é de quem dita verdades
absolutas: é de quem convida ao diálogo, à escuta mútua, à construção
coletiva.
O serviço pela escuta, promovido por
Papa Francisco, é, portanto, um chamado à conversão das consciências.
Trata-se de um modelo de liderança que não se sustenta na força do
poder, mas na força do amor. Um amor que se traduz em escuta
verdadeira, em presença concreta, em ação comprometida com a justiça e
com a dignidade de todos – especialmente dos mais esquecidos. O Papa não
apontou o caminho: caminhou junto. E, com isso, ensinou que a Igreja – e
o mundo – só serão
verdadeiramente humanos quando forem também verdadeiramente inclusivos.
André Naves é Defensor Público Federal formado em Direito pela USP, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social; mestre em Economia Política pela PUC/SP. Cientista político pela Hillsdale College e doutor em Economia pela Princeton University. Comendador cultural, escritor e professor (Instagram: @andrenaves.def).