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ARTIGO - amor no centro da psicanálise: dá para viver sem amar? = Por Fabiana Ratti
Os conceitos de amor, desejo e sofrimento estão na alma do ser humano. A sociedade de consumo instiga as pessoas a viverem apenas de objetos de consumo e de hedonismo. As questões de saúde mental provam que não é possível, senão, não teríamos tantos sintomas na atualidade. Viver apenas de satisfação e não buscar o desejo singular, o que é verdadeiramente importante para cada sujeito, leva ao tanto de sofrimento que vemos atualmente.
Em nossa sociedade, cuidamos do intelectual, vamos à escola, graduação; cuidamos do corpo, ginástica, alimentação; e na saúde mental querem tudo rápido e prático com autoajuda, algumas sessões de apoio e pensamento positivo. Dessa forma, temos o reflexo do sofrimento intenso que nossa sociedade vem passando com síndrome do pânico, burnout, ansiedade, pensamentos e atos obsessivos e suicidas.
A psicanálise é como um "exercício" para as emoções, um espaço de reflexão para fortalecer o emocional e as pessoas conseguirem enfrentar o amor, sem as mágoas e dores de feridas anteriores. Sem ressentimentos e medos que iniciaram na infância e na adolescência. Enfrentar o amor requer esforço, dedicação e disponibilidade, como tudo na vida.
Para crescermos profissional e financeiramente, precisamos arregaçar as mangas e enfrentar. Entretanto, na esfera do amor, muitos querem o conto de fadas, que seja em um estalo, não estão preparados para enfrentar as diferenças e as faltas que encontram em si e no outro.
Assim, o sofrimento se multiplica, as pessoas têm dificuldade de colocar em palavras, enfrentar e discutir de forma mais profunda as relações e, desta forma, apenas fazem substituições de uns por outros, sempre na esperança de que alguém preencha todas as faltas possíveis, e isso não vai acontecer.
Pessoas não são objetos que satisfazem e suprem faltas. Assim, as pessoas andam perdendo-se de seus desejos. O que querem? O que desejam verdadeiramente? O divã está aí para isso. Para que as pessoas não queiram apenas tapar as suas faltas substituindo uma pessoa por outra.
A ideia da Coleção Café com Freud e Lacan é trazer conceitos da psicanálise para que as pessoas consigam refletir e caminhar para relacionamentos mais construtivos, amorosos e saudáveis. O volume 4 de Café com Freud e Lacan, intitulado “Amor e sexualidade, questões atuais de relacionamento e os efeitos na saúde mental”, aborda questões da alma humana através de duas peças do dramaturgo Nelson Rodrigues: O Vestido de Noiva e A Serpente. Ele escreve discursos que frequentemente aparecem no consultório.
Para preservar o sigilo, usamos fatos culturais para mostrar dores verdadeiramente humanas. Com Vestido de Noiva, falamos sobre aqueles que até hoje querem se casar de véu e grinalda, e com A Serpente, discutimos o amor livre. Essa tendência atual de abrir a relação, entretanto, Nelson Rodrigues adverte, o que pode parecer que o outro que vai picar e envenenar, a própria pessoa cai em suas próprias armadilhas.
Aplicativos e a geração Z no divã da psicanálise
Existem os prós e contras dos aplicativos de relacionamento. Por um lado, já acompanhei muito casamento e excelentes relacionamentos que começaram por aplicativo, mostrando uma nova e interessante forma de iniciar um relacionamento.
Porém, com esse acesso todo, muitos não se aprofundam no relacionamento marcando novos encontros frequentes. Pode ser divertido, mas até que ponto também não traz um vazio existencial que nem todos estão percebendo?
O burnout de paquera — o desinteresse e o sofrimento sentido por 9 em cada 10 jovens em relação aos aplicativos de relacionamento, segundo uma pesquisa feita pela empresa Savanta em 2024 — é um sinal contemporâneo da falência dos relacionamentos líquidos e do imediatismo. No entanto, não seria a tecnologia, mas a forma de se relacionar com o outro, via a tecnologia. Tudo é o usufruto que o ser humano faz dos objetos à sua volta.
No consultório quando o assunto é a geração Z, vejo "bolhas". Existem aqueles que ficam tanto nos computadores e na tecnologia que quase não se relacionam, não saem, não vão à encontros.
Outros saem e não existem as preliminares anteriores, tudo acontece muito rápido e também termina muito rápido. Mas, também vejo pedidos de namoro, alianças, falar com os pais e compromissos. Ou seja, a singularidade sempre existe e irá existir. O que é importante é a pessoa pensar a respeito de seu desejo, o que é importante para si, e batalhar.
Agora, sem amor, será que daria para viver? Existem muitos tentando. Em toda a história, já tivemos união por política, por dinheiro, por classe social, mas sempre existem aqueles que lutam por seus sonhos e desejos, fazem esforços monumentais e conseguem.
Fabiana Ratti, psicóloga e mestre em Psicologia pela PUC-SP