Professorar o futuro: a reinvenção que já começou = Por Carlson Toledo
Ser professor, hoje, é um ato de coragem. Mas ser professor nos próximos dez anos será também um ato de reinvenção, talvez o maior desde que a escola moderna foi criada. Entre inteligência artificial, questões socioemocionais, mudanças climáticas, novos formatos de trabalho e um mundo que se reconfigura em tempo real, ensinar deixará de ser apenas “transmitir conhecimento” para se tornar algo muito mais complexo: curar, conectar e criar sentido. A pergunta que se impõe neste Dia do Professor é: de que tipo de professor o futuro vai precisar?
A tecnologia não substitui o professor, mas transforma seu papel, valorizando o que só o ser humano pode oferecer.
Se a inteligência artificial responde a dúvidas, explica conteúdos e até corrige textos, o papel do educador será o de cultivar o que nenhuma máquina entrega: empatia, escuta, ética, colaboração e propósito. A escola dos próximos dez anos precisará ser um laboratório de humanidade, e o professor, seu principal cientista. Isso significa que será necessário dominar menos as fórmulas e mais as perguntas. Saber usar o ChatGPT ou qualquer IA será básico; o diferencial será saber o que perguntar e o que fazer com as respostas.
Minha experiência em sala de aula me leva a crer que, nos próximos anos, veremos a consolidação de três grandes tendências educacionais. A primeira é a aprendizagem personalizada, em que cada aluno terá seu próprio percurso, tempo e interesse. Plataformas adaptativas e ferramentas de inteligência artificial ajudarão nesse processo, mas caberá ao professor o papel de mediador sensível, que entende quando o aluno está desmotivado, inseguro ou simplesmente precisando de um novo desafio. A segunda tendência é a valorização das competências socioemocionais: a escola não vai medir apenas notas, mas também resiliência, empatia, cooperação e pensamento crítico. Seremos mais mentores do que instrutores. Por fim, a terceira tendência é a interdisciplinaridade com propósito. Os problemas reais — ambientais, sociais, tecnológicos — exigem visões múltiplas. O ensino por projetos e o aprendizado com base em desafios vão se fortalecer, e o professor que souber conectar matemática com arte, ciência com cidadania, tecnologia com ética será indispensável.
Nada disso, no entanto, virá sem turbulência. O desafio maior será formar professores para uma escola que ainda não existe. Isso implica repensar os cursos de licenciatura, investir em formação continuada de verdade (aquela que aproxima o professor de sua prática, e não o afoga em burocracia) e construir redes de apoio emocional e profissional. Precisamos cuidar de quem cuida.
A pandemia mostrou que os professores são criadores poderosos, capazes de levar a sala de aula para qualquer lugar — seja na tela, na praça ou na cozinha. Essa criatividade, somada à tecnologia, abre espaço para uma educação mais livre, autoral e colaborativa. Nos próximos dez anos, veremos professores empreendedores, influenciadores pedagógicos, criadores de conteúdo e articuladores de comunidades de aprendizagem. A carreira docente tende a se expandir para novas frentes (da escola à sociedade), com professores produzindo podcasts, games, canais e startups educacionais. Professorar será verbo de impacto social.
Os alunos do presente e do futuro não querem heróis infalíveis nem autoridades distantes. Querem gente de verdade, que erre, aprenda e se reinvente junto. Querem professores curiosos, atualizados, generosos, mas também firmes em princípios éticos e dispostos a desafiar o pensamento comum. As escolas, por sua vez, buscarão profissionais flexíveis, colaborativos e inovadores, capazes de navegar entre o analógico e o digital, entre o conteúdo e o cuidado. Serão valorizados os que transformam conhecimento em experiência, e experiência em aprendizado significativo.
O futuro da educação não será decidido só em 2035. Ele começa hoje, na sala de aula, no planejamento de amanhã, na curiosidade que o professor mantém viva. Preparar-se é aprender sempre, experimentar, dialogar com outras áreas e aproximar-se da tecnologia sem medo e com seus merecidos espaços de escuta e respeito, dentro e fora da escola.
Carlson Toledo, diretor do Ensino Médio do Colégio Visconde de Porto Seguro