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ARTIGO - A psicologia do imortal Machado de Assis = Por Adelmo Marcos Rossi
Pesquisam Machado de Assis como o Bibliômano, em “Memórias Póstumas de Brás Cubas” – “olhai: daqui a setenta anos, um sujeito magro... inclina-se sobre a página... lê, relê, treslê, desengonça as palavras, saca uma sílaba, depois outra, mais outra e as restantes, examina-as por dentro e por fora, por todos os lados, contra a luz, espaneja-as, esfrega-as no joelho, lava-as, e nada.”
Não encontram o Machado por detrás do texto, mesmo o autor mencionando um futuro livro, como descrito no conto “O cônego ou metafísica do estilo”: “Nesse dia, - cuido que por volta de 2222... hão de traduzi-la em todas as línguas. As academias e institutos farão dela um pequeno livro, para uso dos séculos... as filosofias queimarão todas as doutrinas anteriores, ainda as mais definitivas, e abraçarão esta psicologia nova, única verdadeira”.
Não conhecem o autor, conforme citado também em “Memórias Póstumas de Brás Cubas”: “não conhece o autor; este nome... não vem nos seus dicionários biográficos. Achou o volume.... um exemplar único... Único! Ele rejeitaria a coroa das Índias... se os houvesse de trocar por esse único exemplar”. Trocariam tudo pelo exemplar único.
Machado, jovem, havia anunciado em carta a Quintino: “Onde o estudo dos caracteres seja consciencioso e acurado, onde a observação da sociedade... eis uma ambição própria de ânimo juvenil, e que eu tenho a imodéstia de confessar”. Não é ficção, mas uma carta ao amigo. “E, tão certo estou da magnitude da conquista, que me não dissimulo o longo estádio que há percorrer para alcançá-la”, gastou uma vida construindo seu projeto “até onde vai a ilusão dos meus desejos? Confio demasiado na minha perseverança?”.
A obra de Machado de Assis revela esse aspecto psicológico, como no conto “Eterno”, de 1887: “confio do Tempo, que é um insigne alquimista. Dá-se-lhe um punhado de lodo, ele o restitui em diamantes; quando menos, em cascalho. Assim é que, se um homem de Estado escrever e publicar as suas memórias, tão sem escrúpulo, que lhes não falte nada, nem confidências pessoais, nem segredos do governo, nem até amores, amores particularíssimos e inconfessáveis, verá que escândalo levanta o livro. Dirão e dirão bem, que o autor é um cínico, indigno dos homens que confiaram nele e das mulheres que o amaram. Clamor sincero e legítimo, porque o caráter público impõe muitos resguardos; os bons costumes e o próprio respeito às mulheres amadas constrangem ao silêncio”.
Em “Eterno”, ele continua: “Mas deixai pingar os anos na cuba de um século. Cheio o século, passa o livro a documento histórico, psicológico, anedótico. Hão de lê-lo a frio; estudar-se-á nele a vida íntima do nosso tempo a maneira de amar, a de compor os ministérios e deitá-los abaixo, se as mulheres eram mais animosas que dissimuladas, como é que se faziam eleições e galanteios, se eram usados xales ou capas, que veículos tínhamos, se os relógios eram trazidos à direita ou à esquerda, e multidão de coisas interessantes para a nossa história pública e íntima. Daí a esperança que me fica, de não ser condenado absolutamente pela consciência dos que me lêem. Já lá vão vinte e sete anos!”.
Machado de Assis sabia que não seria compreendido e que um dia seria descoberto como autor que antecipou a psicologia de Freud.
Adelmo Marcos Rossi é pesquisador, psicólogo, autor do livro “O Imortal Machado de Assis – Autor de Si Mesmo” e fundador do Grupo de Pesquisa do Narcisismo.