
Escola Nota 10 Salvador - Crédito: Divulgação / MRV&CO
Dia Mundial da Alfabetização: turmas multisseriadas ganham espaço no ensino de jovens e adultos e mostram resultados
Mais de 1,2 milhão de estudantes brasileiros frequentam turmas multisseriadas, segundo dados do Inep/MEC (2019). Esse modelo, comum em áreas rurais e comunidades de baixa densidade populacional, reúne alunos de diferentes séries em uma mesma sala, sob a responsabilidade de um único professor. A solução, muitas vezes adotada diante da falta de estrutura para manter turmas isoladas, também pode oferecer experiências ricas de aprendizagem, apesar dos desafios.
Sâmia Oliveira, professora do curso de Pedagogia da Universidade Salvador (UNIFACS), enfatiza que a diversidade constitui a característica central do ensino multisseriado. “Essa diversidade se expressa, sobretudo, na heterogeneidade das turmas, em que estudantes de diferentes idades e anos escolares compartilham o mesmo espaço; na predominância desse modelo em escolas de pequeno porte, localizadas em áreas rurais; e na necessidade de metodologias pedagógicas específicas, como roteiros de estudo, projetos interdisciplinares e cantinhos de aprendizagem”, aponta.
Desafios e impactos
Para a professora, o maior desafio está no trabalho pedagógico. Planejar aulas capazes de atender simultaneamente a alunos de séries diferentes exige domínio curricular amplo e constante adaptação.
Apesar das dificuldades, Sâmia defende que o ensino multisseriado pode gerar impactos positivos quando bem estruturado. “A convivência de diferentes séries no mesmo espaço favorece a cooperação e a aprendizagem entre pares, já que os alunos mais avançados podem apoiar os colegas. Além de permitir personalizar o ritmo de aprendizagem e proporcionar a redução da evasão escolar em regiões de difícil acesso”, afirma.
Da teoria à prática
O pedagogo e professor, Luan Ribas, trabalha com turmas multisseriadas de jovens e adultos em um projeto que visa a redução do analfabetismo nos canteiros de obra, desenvolvido pelo grupo MRV&CO em parceria com o Instituto MRV&CO há 3 anos em Salvador. Ele destaca que para garantir o sucesso dessas turmas, que já formaram mais de 133 profissionais da construção civil na cidade, é preciso, antes de tudo, identificar com precisão o nível real de desenvolvimento de cada estudante — e não apenas o último ano escolar frequentado.
"Muitos alunos chegam dizendo que concluíram o ensino médio, mas a gente percebe, com as atividades e avaliações, que cognitivamente estão em outro estágio. Meu trabalho começa identificando esse nível real, para então montar um percurso de aprendizagem individualizado. É assim que conseguimos avançar, mesmo numa sala com níveis tão diversos”, explica.
Ele ressalta também a preparação necessária para atuar nesse contexto. “Participamos de uma formação intensiva, na qual nossas habilidades e competências foram trabalhadas. Fomos capacitados em uma metodologia pensada especialmente para o público adulto e voltada para a diferenciação da instrução”, aponta o professor do projeto Escola Nota 10.
Além disso, o pedagogo destaca que o maior benefício das turmas multisseriadas é o aprendizado coletivo. “Por um lado, o professor compartilha conhecimentos pedagógicos e acadêmicos; por outro, aprende diariamente com a bagagem de vida, os saberes práticos e as histórias dos alunos. Essa troca cria um ambiente de aprendizado mútuo e de grande significado, tanto para os estudantes quanto para o professor”, conclui.
Uma história inspiradora
No Dia Mundial da Alfabetização, celebrado em 8 de setembro, o debate sobre métodos de ensino ganha ainda mais relevância diante de um dado preocupante: de acordo com o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), divulgado em 2025, 17% dos jovens entre 15 e 29 anos apresentam dificuldades de leitura e escrita. Entre pessoas de 41 a 54 anos, a taxa sobe para 41%. Os números evidenciam a urgência de repensar práticas pedagógicas e ampliar o acesso a metodologias capazes de atender diferentes faixas etárias.
Aos 46 anos, Roberto Santos encontrou, em meio ao concreto e aos tijolos do canteiro de obra, a chance de mudar sua história por meio da educação. Com as aulas dentro do próprio local de trabalho, em uma sala multisseriada, o auxiliar de obra teve um sonho antigo reacendido: crescer profissionalmente e concluir os estudos. “Quero me capacitar, fazer outros cursos e melhorar de vida”, reforça.
Ele é estudante do projeto Escola Nota 10, que acontece em uma sala de aula dentro da obra do Cidade Sete Sóis Paralela, da MRV, e aluno do Prof. Luan Ribas. Ele sabe que a sua história é a de muitos brasileiros que, por diferentes motivos, tiveram que abandonar a escola cedo e que agora enxergam na educação uma forma real de transformação. “Na vida, a gente já tem muitos ‘nãos’. Para conquistar o ‘sim’, temos que lutar, persistir, perseverar, confiar e ter determinação. Se tudo fosse fácil, não teria graça. É na dificuldade que mostramos nossa garra e perseverança para alcançar o que queremos”, incentiva.
Por Emanuelle Pereira