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ARTIGO - Biografias são confiáveis? = Por José Eduardo Medeiros
A literatura de ficção, em sua eterna busca por tornar uma história plausível, conta com vários recursos. Um dos mais importantes é a preocupação com a narrativa minuciosa, com aquilo que o escritor russo Vladimir Nabokov chamou de “acariciar os detalhes”.
Um personagem está passeando por um mercado. Algo de importante acontecerá ali. Talvez ele esteja procurando alguém, uma longa espera dará lugar a um emocionado encontro. Isso, entretanto, virá daqui a uma ou duas páginas. Antes, é interessante que o autor gaste alguns parágrafos descrevendo o lugar. Em seus pormenores. As cores, os cheiros, os sons, enfim, tudo o que chega aos sentidos. Fará com que o leitor tenha a impressão de que o narrador estava ali, observando bem de perto a cena, acompanhando os passos de seu personagem.
Uma biografia que, supõe-se, é uma narrativa de fatos reais, não escapa dessa busca do detalhe. Mas por outra razão. O leitor que encara esse tipo de livro conhece, em linhas gerais, a vida da pessoa que está sendo retratada. Está, por isso, mais interessado em momentos bem específicos de sua trajetória, narrados de tal forma que transmitam as sensações e sentimentos do personagem.
Mas aí surge um problema. Esses detalhes mínimos estão disponíveis? Geralmente não. Pelo menos, não de forma completa. As memórias falham, e estas e outras fontes de informação com as quais o autor se abastece nunca trarão as minúcias necessárias para tornar a descrição dos cenários e a narração dos fatos algo cativante para o leitor.
Entrará em cena a imaginação. É o autor que se encarregará de preencher as lacunas. E se utilizará, para isso, dos mesmos recursos de que se valem os ficcionistas. Mergulhará, ele mesmo, naqueles lugares e situações. Com a profundidade necessária para transmitir ao leitor a impressão de que quem está contando a história acompanhou bem de perto todos os acontecimentos.
A literatura de ficção e a biografia, portanto, têm, entre si, muito mais semelhanças do que diferenças. Ambas se ancoram em um contexto geral, familiar aos leitores. No caso da ficção, essa âncora está na época e no lugar em que a trama se desenvolve. No caso da biografia, está nos aspectos da vida do protagonista que são conhecidos por todos. Mas, tanto a ficção quanto a biografia não poderão se furtar a mergulhar em detalhes mínimos. E, em ambos os casos, esse mergulho se baseará muito mais na criatividade do autor do que em fatos que aconteceram de verdade.
José Eduardo Medeiros é autor do livro “A Amizade e o Tempo” e criador do GeneaMinas, um dos principais sites de genealogia do Brasil.