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Foto: Divulgação / MCA Estúdio
Lounge da Renúncia atravessa o público feminino com memórias sensoriais de fé, dor e resistência no coração de um convento do século XVIII
se identificam. Algumas das visitantes, principalmente as de idade avançada, sentem tanta angústia que simplesmente não conseguem permanecer no espaço, e isso vale ser considerado, porque arte é isso”, explica o arquiteto.
Parafraseando o escritor Oscar Wilde, Hugo recorda da frase que se assemelha à sua exposição “É o espectador e não a vida que a Arte realmente reflete”. Na concepção do arquiteto, o ambiente é intencional para provocar o sentimento de renúncia e penitência humana, mas não sem antes relembrar as práticas controversas de um convento. “E nada melhor do que um próprio convento para dialogar arte, história e renúncia. Meu espaço não é comercial, fiz intencionalmente. Meu intuito é manter a arquitetura do local e mostrar como conseguimos transformá-lo. Não houve troca de piso e do forro; revitalizei a escada, entrei com mobiliário e uma parede de drywall, e mexi apenas na iluminação. O próprio ambiente tratou em trazer à tona a memória ancestral dessas mulheres”, comenta.
Apesar do contexto, Hugo explica que o lounge é amplamente convidativo aos questionamentos, e até os livros que deixou na mesa de centro são artifícios para despertar questionamentos. O profissional explica que, dentro do antigo Convento das Mercês, ao se deparar com a placa “Renúncia” ou a imagem do padre e da mulher pecadora, as indagações logo aparecem junto à autorreflexão da fé secular.
“O lounge é um lugar onde o sagrado e o desconforto dividem o mesmo banco. Nada aqui é feito para agradar, ainda mais quando o espectador entra pela ‘salinha lilás’. Ali, na ‘Penitência’, a dor reverbera das memórias históricas do convento e da percepção única de seu espectador. Nada é por acaso, nem mesmo o milho jogado no que já foi um piso de castidade É como se a arquitetura do convento, os objetos sacros e as obras falassem por si. Eu apenas escutei e organizei. O resto, o espaço entrega”, explica.
Ideias e composição artística acerca do “Lounge da Renúncia”
Segundo Hugo Ribeiro, a composição artística do espaço e a ideia da ‘renúncia’ emergiu com força já na primeira visita ao convento. “Foi algo muito intenso. Vim de uma família evangélica e passei por um processo difícil de autoconhecimento e aceitação como homem gay. Sair desse ambiente religioso foi doloroso, e talvez a renúncia tenha surgido exatamente dessa travessia pessoal”, explica.
A instalação artística ocupa atualmente a CASACOR Bahia 2025, recebendo uma amplitude de públicos à fim de tensionar o silêncio em torno dos corpos dissidentes na religião. “Durante essa primeira semana da CASACOR, tivemos muitas conversas com o público. Algumas pessoas compreendem de imediato o espaço, outras precisam de uma mediação, mas todas se sentem atravessadas de algum modo. A ‘TRIA Galeria de Arte’, nosso parceiro de longa data, entrou no projeto e conseguimos formular um espaço que conversa para além da decoração, com alma, e uma pitada de desconforto”, provoca Hugo.
Na visão do produtor visual, as obras selecionadas também cumprem esse papel de desconstrução. Para tanto, integram o espaço três pinturas dramáticas do artista visual baiano Artur Rios, entre elas, o destaque da edição “nome da obra”. Há também a obra “Vertigem”, do próprio Luis H. Lunardelli, que dá vida à angustiante mulher de quatro olhos. Hugo ainda destaca a escultura colaborativa com o Studio L, feita com pedra natural e couro, simbolizando prisão, liberdade e poesia.
O conjunto de artistas e peças se organiza para formar uma narrativa em camadas, com gravuras de Emanoel Araújo, paisagismo da HORTAKI, tapeçarias de Renan Estivan, além das obras de Ana Serafim, Diogo Miranda, Adilson Santos, Oscar Brasileiro, Eduardo Custódio, Cris Grigoletto (TRIA), Mobiletti Atelier e Arthur Fraga.
A visitação ao Lounge da Renúncia e aos demais ambientes da CASACOR Bahia 2025 acontece até o dia 7 de setembro, integrando a programação cultural da cidade e provocando o Brasil com experiências marcadas pela profundidade e pela subjetividade que atravessam a arquitetura.
Por Jadson Nascimento