
Soraya Smaili, coordenadora do Centro de Estudos SoU_Ciência / Foto: Divulgação
‘Acervo da Pandemia’ pode ajudar famílias de vítimas da Covid-19 a buscar reparação na Justiça
Apresentado como marco dos cinco anos da primeira morte por Covid-19 no Brasil, o Acervo da Pandemia — uma plataforma digital desenvolvida pelo Centro de Estudos Sociedade, Universidade e Ciência (SoU_Ciência), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) — é uma ferramenta estratégica não apenas para preservar a memória do que ocorreu durante a crise sanitária, mas também para embasar juridicamente ações de familiares de vítimas em busca de reparação.
“O Acervo contém um arcabouço de fatos que demonstram toda a responsabilidade do estado brasileiro no período da pandemia”, afirma Rosângela Oliveira Silva, presidente da Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19 (Avico), que foi parceira no projeto. “A um operador do Direito, por exemplo, que queira entrar com uma ação na Justiça, o Acervo dá a possibilidade de recorrer aos fatos de forma séria, com dados fidedignos, bem catalogados, de fácil acessibilidade”.
A coleta e curadoria dos documentos foram feitas por uma equipe multidisciplinar de pesquisadores. Informações enganosas promovidas pelo “necrossistema da pandemia” são contrapostas por explicações de fontes científicas qualificadas.
Para Rosângela, além de colaborar com a responsabilização de agentes públicos que negligenciaram a gestão da crise, o Acervo pode embasar a construção de políticas públicas de assistência, saúde e previdência, a partir das evidências registradas. “O Brasil ainda não deu resposta do ponto de vista da reparação. Mas o Acervo colabora no sentido de permitir que a população não fique no esquecimento. São materiais que podem ser utilizados inclusive por autoridades e parlamentares”, diz.
Com cerca de 150 registros com evidências de condutas criminosas e negacionistas já disponíveis e mais de 100 em análise, o Acervo da Pandemia expõe vídeos, documentos oficiais, reportagens, áudios e análises em 17 eixos temáticos — entre eles, Omissões e Conivências, Ética e Autonomia Médica, Ciência e Evidência, Tratamento Precoce, e Vacina. A plataforma, inédita em sua abrangência e curadoria, mostra como a condução da pandemia no Brasil impactou diretamente a vida da população, com ênfase nas decisões e omissões de agentes públicos.
“O Acervo da Pandemia não é apenas um repositório de documentos. Ele é um testemunho do que ocorreu no Brasil durante um dos períodos mais críticos da nossa história. Seu propósito é servir como fonte para pesquisadores, jornalistas, formuladores de políticas públicas e para qualquer cidadão que queira entender os erros e acertos na gestão da pandemia”, afirma Soraya Smaili, coordenadora do SoU_Ciência, professora titular da Escola Paulista de Medicina e ex-reitora da Unifesp.
Além da participação da Avico, a plataforma foi construída com a colaboração da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Centro de Pesquisas em Direito Sanitário da USP (Cepedisa/USP), além de grupos de mídia independente, como Medo e Delírio em Brasília e Camarote da República.
“A criação do Acervo da Pandemia representa um esforço fundamental para evitar que essa história seja apagada e permaneça impune. O negacionismo teve consequências concretas e, para que erros semelhantes não se repitam, é essencial que a sociedade tenha acesso a esses registros e que justiça e reparação sejam feitas”, completa Soraya Smaili.
Por José Roberto Ferreira