Crédito: Gustavo Rozário
Mestre Bule Bule é celebrado na FLICA em noite de emoção e reverência à palavra
Na semana em que completou 78 anos, o poeta, repentista e cordelista Mestre Bule Bule foi homenageado na Flica 2025, em uma noite marcada por emoção e força feminina na Tenda Paraguaçu, na sexta-feira, 24 de outubro, encerrando a programação da Tenda Paraguaçu. Mestre do improviso e guardião da cultura popular, ele foi celebrado não apenas por sua extensa contribuição à literatura de cordel, mas pela capacidade de traduzir, em versos, histórias de resistência, ancestralidade e crítica social.
O
tributo reuniu o coletivo Irmandade da Palavra, formado por mulheres
que desde 2016 se unem em torno da literatura de cordel, da oralidade e
da criação coletiva. Representadas por Andressa Prazeres, Bárbara Uila,
Lucineide Souza, Tianava Silva e Gabriela Fidelis, as integrantes
declamaram, performaram e partilharam suas trajetórias, tecendo um elo
entre o feminino e a tradição popular nordestina. O grupo, que já
realizou oficinas em quatro cidades baianas , como Cachoeira, São Félix,
Acupe e Saubara, publicou dez livros pela editora Cartoneira das Iaia e
mantém um podcast derivado de seu programa de rádio.
Em seu depoimento, Andressa Prazeres, idealizadora do projeto,
destacou o desejo de construir “um espaço de paz para as mulheres
criarem entre si”. Ela lembrou que o grupo nasceu de encontros poéticos e
saraus e que, desde então, transformou a escrita e a escuta em um
território de pertencimento. “A oralidade sempre nos guiou. A gente
escreve o que fala, do jeito que fala, e isso é também resistência”,
afirmou.
A escritora Lucineide Souza, que integrou as oficinas do coletivo em 2018, emocionou o público ao relatar sua trajetória como mulher negra e primeira da sua comunidade a ter ensino superior. “Talvez, se eu não tivesse passado pela Irmandade, eu não teria coragem de colocar no mundo minhas escritas. Entendi que nossas histórias são memórias, potências e resistências”, disse.
Entre falas e versos, Mestre Bule Bule ouviu, emocionado, as perguntas e homenagens. Uma das intervenções mais marcantes foi a de Andressa, que citou o cordel “Peço pra não acabar o Raso da Catarina”, no qual o poeta denunciou, em versos, a ameaça de descarte de rejeitos radioativos no sertão baiano. O mestre relembrou o episódio e contou que chegou a distribuir dez mil cópias do folheto com apoio de pequenas empresas e militantes da época. "A palavra foi a nossa arma contra a destruição do sertão”, disse Mestre Bule Bule, reafirmando seu papel como voz política e social da cultura popular.
A noite teve ainda o depoimento de Gabriela Fidelis, que compartilhou sua descoberta do livro “Cordel dos Orixás” na biblioteca da Irmandade. Ela contou que o encontro com o texto transformou sua relação com a ancestralidade e o candomblé. “Com aquele cordel, entendi sobre amor, solidão e os encontros que o axé nos reserva”, afirmou. Mestre Bule Bule respondeu com ternura e humor, agradecendo o tributo e encerrando com uma confissão: “Não sei se viverei mais setenta e oito anos, mas sei que a palavra seguirá viva com vocês”.
Por Tatiane Freitas
