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Pesquisa desenvolvida no Ambulatório Trans do HUL recebe premiação em evento nacional
O XV Congresso Brasileiro de Farmácia Hospitalar, promovido pela Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar e Serviços de Saúde (SBRAFH), colocou em segundo lugar no ranking dos melhores trabalhos uma pesquisa desenvolvida no Ambulatório Transexualizador do Hospital Universitário de Lagarto (HUL-UFS), integrante da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh). O ambulatório é o único serviço especializado no processo transexualizador, na modalidade ambulatorial, no âmbito do SUS em Sergipe.
O trabalho premiado, intitulado ‘Associação entre Incongruência de Gênero e o Tempo de Exposição à Terapia Hormonal para Afirmação de Gênero em Pessoas Transgênero’, foi apresentado pela mestranda Beatriz Santos, orientada pelo professor Alfredo Oliveira, com a colaboração da professora Giselle Brito, ambos do Departamento de Farmácia da UFS. No mesmo evento, a farmacêutica do HUL Carla Silva proferiu a palestra ‘Atendimento ambulatorial: um olhar centrado na pessoa trans’, que destacou o serviço e as pesquisas em Farmácia voltados para a população trans em Sergipe.
Reconhecimento
Para o chefe do Setor de Farmácia Hospitalar do HUL, Vicente Maciel, a premiação é uma grande conquista. “Termos farmacêuticos representando o setor no maior congresso de Farmácia Hospitalar da América Latina representa um enorme reconhecimento. Levar ao evento o trabalho que desenvolvemos no interior do estado é algo muito significativo e potente, especialmente o serviço de cuidado farmacêutico, que engloba tanto o acompanhamento clínico e farmacoterapêutico dos usuários quanto uma conquista recente: a dispensação gratuita dos hormônios utilizados no processo transexualizador. Essa participação reforça o compromisso com uma prática farmacêutica mais inclusiva e voltada para as necessidades reais da população, especialmente de grupos historicamente marginalizados. Levar essa experiência a um espaço de visibilidade nacional amplia o debate sobre o papel transformador da farmácia clínica no SUS”, destacou.
De acordo com a farmacêutica do HUL, Carla Dias, a pesquisa premiada faz parte dos estudos que desenvolve no doutorado. “Esse trabalho é resultado de um recorte de duas pesquisas maiores: a minha, que está vinculada ao doutorado, e a da mestranda Beatriz Pereira. Ambas fazem parte de um esforço conjunto de investigação desenvolvido no ambulatório transexualizador de Sergipe, no HUL, onde atuamos diretamente. Essa pesquisa é parte de um projeto maior que desenvolvemos no ambulatório, com foco na investigação de desfechos em saúde que impactam diretamente a vida de pessoas transgênero. Um desses desfechos é a incongruência de gênero, que está associada a sofrimento psíquico e pior qualidade de vida”, resumiu a pesquisadora.
Ela explicou que, no estudo, foi analisada a relação entre o tempo de exposição à terapia hormonal para afirmação de gênero (TAGH) e os níveis de incongruência de gênero. “Os resultados mostram que, quanto maior o tempo em uso da TAGH, menor tende a ser a incongruência de gênero, com associações estatisticamente significativas. Isso também se relaciona com a redução de sintomas como ansiedade, depressão e outros fatores ligados ao sofrimento gerado pela incongruência”, apontou.
“Essa premiação representa um reconhecimento importante de que estamos no caminho certo. Saímos do menor estado do Brasil para apresentar, em nível nacional, a experiência e o trabalho desenvolvido no único ambulatório especializado no cuidado à população trans em Sergipe. Além disso, ela dá visibilidade a um tema de grande relevância social, que impacta diretamente a vida de muitas pessoas trans que enfrentam a escassez de serviços especializados, o estigma, a discriminação e o preconceito, inclusive dentro do próprio sistema de saúde. Ser reconhecida por esse trabalho reforça a importância de ampliar o acesso, qualificar o cuidado e valorizar a produção científica centrada na equidade”, comemorou a farmacêutica.
Acolhimento
Carla apresentou a palestra ‘Atendimento ambulatorial: olhar centrado na pessoa transgênero’ durante a mesa-redonda ‘Diversidade e inclusão: bases para a humanização das jornadas de saúde’. “Compartilhei a experiência do ambulatório transexualizador de Sergipe, com ênfase em uma prática comprometida com a escuta ativa, a construção compartilhada de condutas e o rompimento com a lógica patologizante que historicamente marca o cuidado à população trans. Nosso modelo de atenção busca reconhecer a pessoa trans em sua singularidade, compreendendo os determinantes sociais que impactam sua saúde e promovendo visibilidade, acolhimento e protagonismo. Abordei ainda a atuação multiprofissional e, em especial, o cuidado farmacêutico, que inclui acompanhamento clínico e dispensação gratuita de hormonais”, complementou.
A apresentação da farmacêutica também destacou os avanços conquistados, como a habilitação do serviço ao ambulatório trans pelo Ministério da Saúde e os desafios persistentes, a exemplo da limitação de funcionamento e da dificuldade de articulação em rede. “Finalizei com as pesquisas desenvolvidas no ambulatório, que fortalecem a produção de conhecimento centrada em equidade e inclusão”, disse.
Produção de conhecimento
Para a mestranda Beatriz Pereira, a construção do trabalho foi colaborativa, desde o delineamento da proposta até a análise dos dados. “O foco foi a produção de conhecimento qualificado sobre o cuidado à saúde de pessoas trans. Esse trabalho é resultado de um recorte de duas pesquisas maiores: a minha, que está vinculada ao mestrado, e a de Carla Lima, no doutorado, e essa premiação representa um reconhecimento importante de que estamos no caminho certo. Saímos do menor estado do Brasil para apresentar, em nível nacional, a experiência e o trabalho desenvolvido no único ambulatório especializado no cuidado à população trans em Sergipe. Além disso, ela dá visibilidade a um tema de grande relevância social, que impacta diretamente a vida de muitas pessoas trans que enfrentam a escassez de serviços especializados, o estigma, a discriminação e o preconceito. Ser reconhecida por esse trabalho reforça a importância de ampliar o acesso, qualificar o cuidado e valorizar a produção científica centrada na equidade”, relatou.
Beatriz informo que foram mais de 700 trabalhos inscritos, com cerca de 5200 selecionados para apresentação de pôster. “Desses, apenas dez foram selecionados para a apresentação oral, que foi o que eu concorri, e a gente conseguiu ganhar o prêmio”, complementou.
Potencial
A pesquisa é orientada pelo professor Alfredo Oliveira, do Departamento de Farmácia da UFS, campus São Cristóvão. “Nós trabalhamos todos juntos, eu, a professora Gisele Brito, como coorientadora, a doutoranda Carla Dias e a mestranda Beatriz Pereira. Essa premiação significa reconhecimento científico e profissional, uma vez que foi um prêmio em um evento científico, julgado como tal, e cujo público era em sua maioria de profissionais de saúde, farmacêuticos de todo o Brasil. Significa também o potencial do nosso grupo de pesquisa e da colaboração entre os campi São Cristóvão e Lagarto. Nós conduzimos essa pesquisa no menor estado do país, sem absolutamente nenhum financiamento, exceto as bolsas das nossas pós-graduandas. E, com tão pouco, além do prêmio, temos conseguido publicar em excelentes periódicos internacionais como a Scientific Reports. Continuamos buscando financiamento, e esperamos conseguir para aprofundar e ampliar esse projeto. Lembrando que o estudo premiado é apenas um pequeno recorte dos nossos resultados”, detalhou Alfredo.
“Embora tenhamos adorado receber o prêmio, a equipe tem se sentido especialmente recompensada pelo acolhimento e colaboração das pessoas transgênero incluídas no estudo. São pessoas que inclusive têm contribuído, e têm torcido também, para a melhora dos instrumentos de mensuração da incongruência. Estes instrumentos vão ajudar a entender melhor os efeitos da terapia hormonal e os caminhos para otimizá-la”, explicou o professor.