
Foto: Beatriz Meneses
Em turnê histórica pela Europa, Orquestra NEOJIBA encanta plateias, desafia convenções e consolida presença no circuito internacional
Sob a liderança de Ricardo Castro, projeto social baiano ocupa as principais salas de concerto da Europa e reafirma excelência como vetor de transformação
No dia 3 de junho de 2025, a Orquestra NEOJIBA encerrou sua nona turnê internacional com um concerto apoteótico na Philharmonie de Paris, uma das salas mais prestigiadas do mundo. A apresentação, marcada por comoção e entusiasmo da plateia, coroou uma trajetória de 18 dias em que o grupo percorreu seis países, realizou doze concertos em algumas das salas mais importantes da Europa e reafirmou um feito inédito: a consolidação da presença regular e reconhecida de uma orquestra brasileira — jovem e de base social — no circuito internacional de maior prestígio.
Desde sua fundação, em 2007, o NEOJIBA (Núcleos Estaduais de Orquestras Juvenis e Infantis da Bahia) — programa prioritário do Governo do Estado — tem demonstrado que excelência artística e integração social são potências complementares. Idealizado e dirigido pelo maestro Ricardo Castro, o programa alcançou, em 2025, uma maturidade institucional e artística que lhe permitiu não apenas realizar uma de suas turnês mais ambiciosas, como também consolidar um lugar de destaque no cenário internacional — posição essa ocupada de forma contínua por apenas uma outra orquestra brasileira: a OSESP.
Maestro, criador e gestor
Mais do que reger a orquestra em cada concerto, Ricardo Castro é o responsável direto pela concepção artística, estruturação logística e articulação internacional das turnês. Com uma equipe de músicos e técnicos totalizando 100 pessoas — além do suporte da equipe administrativa em Salvador — o maestro liderou a realização de um projeto de alta complexidade, totalmente viabilizado por meio de patrocínio privado e dos produtores europeus. O êxito da iniciativa reflete uma visão de gestão cultural estratégica, autônoma e sustentada por uma reputação construída ao longo de quase duas décadas.
O repertório escolhido foi igualmente eloquente: Carlos Gomes, Ginastera, Sibelius, Copland, Bernstein, Golijov e Saint-Saëns, além de bis com obras icônicas da música brasileira como Tico-tico no Fubá e Aquarela do Brasil, em arranjos escritos especialmente para o NEOJIBA por Jamberê, um ex integrante da orquestra e hoje funcionário do Programa. Um convite à escuta centrada no sul global, sem concessões ao entretenimento, com rigor técnico e identidade cultural.
Salas lotadas e públicos de pé
A turnê passou por Klagenfurt, Breslávia, Hamburgo, Wuppertal, Wiesbaden, Saarbrücken, Essen, Brescia, Bérgamo, Munique, Amsterdã e, finalmente, na Philharmonie de Paris, onde a Orquestra NEOJIBA se apresentou pela quarta vez em menos de dez anos. Em todas as cidades, o grupo foi recebido com salas praticamente lotadas e recepções calorosas. Em muitos concertos, os aplausos de pé se prolongaram por vários minutos — uma distinção rara, mesmo entre orquestras europeias de longa tradição. Na Elbphilharmonie de Hamburgo, o público rompeu o protocolo: aplaudiu entusiasticamente entre os movimentos da Suíte Estância, de Ginastera. Na maioria das salas, os bis com ritmos brasileiros transformaram a plateia em pista de dança, com palmas, assobios e corpos em movimento. O resultado disso tudo se traduziu em convites para a voltar em breve.
Reconhecimento internacional: a crítica confirma a excelência
O jornal Hamburger Abendblatt, da Alemanha, destacou a expressividade, coesão e domínio técnico dos jovens músicos, ressaltando que a juventude da orquestra em nada comprometeu a profundidade artística do repertório. A crítica chegou a comparar a NEOJIBA às grandes orquestras profissionais. Na Itália, o Giornale di Brescia descreveu o concerto como “um grande espetáculo”, enquanto o diretor do festival internacional de Brescia Bergamo declarou nunca ter visto reação tão entusiasmada do público diante de uma estreia nacional — referindo-se a Nazareno, de Golijov, uma suite extraida da sua famosa Paixão segundo São Marcos, com ritmos latino-americanos e que termina com um samba sinfônico.
Conexão emocional com o público
Os testemunhos recolhidos após os concertos revelam o profundo impacto emocional da turnê. A música atravessou fronteiras culturais, despertou identificação e gerou experiências intensamente pessoais. A coreógrafa austríaca Daria Kulik relatou “arrepios” ao ver a orquestra em cena. A musicoterapeuta brasileira Anete Carvalho, radicada em Munique, reconheceu na NEOJIBA uma rara fusão entre a disciplina técnica europeia e a expressividade corporal afro-brasileira.
A holandesa Veerle Hoffe, em Amsterdã, afirmou ter vivido “da euforia às lágrimas e ao silêncio”. Já em Paris, o francês Olivier Radot resumiu com precisão: “É comovente ver jovens tocando esse repertório com tanta entrega, sabendo que fazem parte de um programa social”.
Convidados de prestígio
A turnê também foi marcada por colaborações de destaque com solistas de renome internacional. O jovem violinista brasileiro Guido Sant’Anna, um dos nomes mais promissores da nova geração, tocou o Concerto de Sibelius em cinco ocasiões e encantou o público com seus encores, como o Capricho sobre Erlkönig, de Ernst, e o Blues, de Ravel — este último interpretado ao lado de Ricardo Castro ao piano.
Na Concertgebouw, a orquestra juntou-se pela sexta vez durante a turnê com os pianistas Lucas e Arthur Jussen, estrelas do cenário europeu, com gravação pelo selo Deutsche Grammophon. Em Paris, o encerramento foi protagonizado pelas consagradas irmãs pianistas Katia e Marielle Labèque e pelo ator célebre francês - notadamente por seu papel como o Merovíngio na série de filmes Matrix — Lambert Wilson, numa versão encenada e memorável do Carnaval dos Animais, de Saint-Saëns, executado de memória pela orquestra.
Vivência transformadora para os músicos
Para os jovens do NEOJIBA, a turnê foi mais que uma experiência artística: foi um marco pessoal e coletivo. Cerca de 70% dos músicos jamais haviam saído do Brasil. Sete deles foram iniciados em seus instrumentos no núcleo do Bairro da Paz, em Salvador — uma conquista histórica para a comunidade.
“É inimaginável estar aqui”, disse o trompista Ueliton Pereira. “Só o NEOJIBA me proporcionou isso. ” A violista Nicole Souza descreveu cada concerto como um aprendizado. “É surreal”, resumiu o percussionista Samuel Barreto. E Isaac Bispo, um dos spallas da turnê, completou: “Meu sentimento é de gratidão. Aqui colhemos o que plantamos com esforço e persistência. ”
Um legado para o Brasil e para o mundo
A turnê de 2025 consolida um caminho iniciado em 2010, quando o NEOJIBA realizou sua primeira viagem internacional. Desde então, sob a liderança de Ricardo Castro, o programa tem ampliado seu alcance e projeção, levando a cultura orquestral brasileira a palcos de prestígio — sempre com independência e consistência institucional.
“Esta orquestra só está aqui porque quem veio antes não quis aprender apenas para si”, afirmou Castro ao fim do concerto na Philharmonie. “Nossa trajetória é um ponto fora da curva. O NEOJIBA tem algo de especial — essa experiência que vocês viveram, ninguém nem nada jamais poderá retirá-la de vocês. ”
Com esta turnê, o NEOJIBA não apenas representa o Brasil no exterior — ele redefine o lugar que a cultura brasileira pode ocupar no mundo: com excelência, coragem e um profundo compromisso com a justiça social.
Por Beatriz Meneses