ARTIGO - Duas medidas para os presentes dos presidentes = Por Wilson Pedroso
Foto: Divulgação/Arquivo O Candeeiro
ARTIGO - Duas medidas para os presentes dos presidentes = Por Wilson Pedroso
12/08/2024
Poesias
O Tribunal de
Contas da União decidiu, na última semana, que o presidente Lula está
liberado de fazer a devolução do relógio que ganhou de Jacques Chirad,
durante as comemorações do Ano do Brasil na França. A decisão foi alvo
de enorme repercussão e o presente avaliado em R$ 80 mil acabou se
tornando peça central na queda de braços da polarização política
nacional.
Apesar de o
relógio ter sido presenteado há quase 20 anos, ainda em 2005, durante o
primeiro mandato de Lula, o caso foi alvo de questionamentos agora. A
oposição acionou o TCU com um pedido de investigação, alegando que a
peça deveria ser devolvida à União.
Os ministros
concluíram que, por não haver legislação que especifique exatamente
quais bens podem, ou não, ser incorporados ao patrimônio pessoal dos
presidentes, não caberia ao Tribunal determinar a devolução.
A decisão criou
ainda mais polêmica do que a própria denúncia. Isso porque os ministros
acabaram abrindo uma brecha importante no caso das joias recebidas por
Jair Bolsonaro do governo da Arábia Saudita. Em 2023, por unanimidade, o
próprio TCU decidiu que o ex-presidente tinha de devolver as peças
avaliadas em R$ 6,8 milhões.
A questão é
que, em 2016, o Tribunal definiu que os presentes recebidos pelos
presidentes deveriam ser considerados patrimônio público, com exceção
daqueles de uso personalíssimo. Porém, não há regras claras que possam
ancorar a decisão de que o relógio francês seja de uso pessoal ao passo
em que as joias sauditas devam ser incorporadas à União.
Por causa dos
presentes, Bolsonaro e mais 11 pessoas foram indiciados, no mês passado,
pelos crimes de associação criminosa, lavagem de dinheiro e apropriação
de bens públicos. Após a decisão do TCU, de âmbito meramente
administrativo, a Polícia Federal se manifestou dizendo que nada muda em
relação ao indiciamento e que, agora, o processo está nas mãos do
Supremo Tribunal Federal.
E, sim, é isso
mesmo. O STF é quem vai analisar se houve, ou não, qualquer tipo de
irregularidade ou crime. Mas o fato é que a nova posição do TCU
fortalece Bolsonaro junto à opinião pública e, no xadrez da polarização,
Lula quer, agora, se movimentar para devolver o relógio.
A meu ver, no
entanto, a principal questão em torno desse episódio não gira em torno
dos embates políticos, ou dos valores das joias e nem mesmo da definição
sobre haver, ou não, direito de uso pessoal dos presentes.
O que fica
difícil compreender é os motivos que levam um presidente a ser liberado
da devolução enquanto o outro corre risco de condenação criminal. É um
peso e duas medidas. Na verdade, portanto, esse caso nos convida a
refletir sobre coerência.
Wilson Pedroso é analista político e consultor eleitoral com MBA nas áreas de Gestão e Marketing