Foto: Valéria Fiorini
Raízes Africanas: Diplomata e físico Ernesto Mané faz bate-papo e sessão de autógrafos em Salvador
“Sempre me vi como menino negro, isto estava posto desde sempre. Mas quando cheguei à Guiné-Bissau, as crianças me viam como branco e colonizador”. A constatação do diplomata brasileiro Ernesto Mané é uma mostra de como as relações raciais podem ser muito mais complexas.
O autor de “Antes do Início” (editora Tinta-da-China) vem a Salvador para um bate-papo com Calila das Mercês, escritora com pós-doutorado pela USP finalista do Prêmio Jabuti 2023 com seu livro de contos Planta Oração seguido de uma sessão de autógrafos. O encontro acontecerá na Livraria do Gláuber, dia 15 de novembro, às 18h, e busca compartilhar com a Bahia as reflexões suscitadas por sua jornada pessoal.
A vinda do diplomata à Bahia durante o Novembro Negro tem curadoria de Suzane Sena, da Osupa Productions, principal ponte cultural entre Bahia e Nova York. “Trazer Mané a Salvador é uma oportunidade de refletirmos sobre as muitas histórias não contadas que ligam o Nordeste do Brasil à África”, avalia.
Físico e diplomata com identidade birracial e binacional
Com mestrado, doutorado e pós-doutorado em Física, Mané assumiu este ano a função de primeiro-secretário da Embaixada do Brasil na Argentina. Fluente em inglês, francês, alemão e espanhol, seu primeiro livro é um relato do que aprendeu longe dos bancos da academia ou do Instituto Rio Branco, onde ingressou entre os primeiros colocados para bolsista do programa de ações afirmativas.
A história dele é diferente daquela vivida pela maioria dos afro-brasileiros. Ernesto cresceu entre João Pessoa, na Paraíba, onde nasceu, e São Paulo. Seu pai veio da África ao Brasil como bolsista de um programa de intercâmbio também ofertado pelo Itamaraty, que buscava fortalecer laços entre os países de língua portuguesa. “Eu cresci frequentemente me sentindo ‘o diferente’ nas escolas. Ir a Guiné-Bissau era um passo para me completar como indivíduo”, explica o escritor que define sua identidade não apenas como birracial, mas também binacional.
A chegada à África
Com a independência de Portugal nos anos 1970, Guiné-Bissau ainda tem muito viva a tensão com o que identifica como colonizador. Como o conteúdo brasileiro na TV guineense é predominantemente branco, a desconfiança foi notada. “Na rua, eu era o forasteiro: roupas, câmera no pescoço, não falava as línguas locais. Na família, fui reconhecido como guineense e balanta, a etnia do meu pai e do meu avô em uma sociedade patrilinear. Mas para quem não conhecia minha história, eu era associado aos códigos do colonizador. Levei tempo para elaborar essa perplexidade”, revela.
“Penso o racismo como forma de estruturar o mundo, e o Brasil está imerso nisso. Trazemos três séculos de escravidão e recebemos quase metade dos africanos traficados no Atlântico. A miscigenação não nos imuniza; ela convive com hierarquias de raça, classe e gênero”, avalia o diplomata para quem as políticas de ação afirmativa aceleraram a inclusão, mas os indicadores seguem desiguais. A passagem de Ernesto Mané pela Bahia ainda contará com uma palestra na Unilab e um painel na Universidade Federal do Recôncavo Baiano. Ele integra a programação do Novembro Negro.
Sobre o livro
Em Antes do Início, o físico e diplomata Ernesto Mané – brasileiro de João Pessoa, com raízes familiares na Guiné-Bissau – transforma em literatura o diário da viagem que, em 2010, realizou para conhecer o país do pai e reencontrar a si mesmo. A travessia, que mistura geografia e afeto, torna-se uma jornada de reconhecimento racial e de reconstrução da identidade, marcada pelo abandono, pelo colonialismo e pela busca de pertencimento.
Pela primeira vez, é visto como branco – e esse estranhamento abre fendas para compreender a arbitrariedade das fronteiras entre raça, nação e memória.
Quinze anos depois, o agora diplomata revisita aquelas anotações e as transforma num relato sobre a diáspora africana e o esforço de costurar as pontas de uma identidade birracial e binacional.
O conceito de ‘t=0’, o tempo zero da física, atravessa a obra como metáfora do instante em que tudo pode ser reconstruído – um ponto de partida para ressignificar identidade e história. Entre a memória e o ensaio, o autor faz da escrita seu laboratório e da linguagem o lugar onde o passado e o presente voltam a se tocar.
Sobre Ernesto Mané
Nascido em João Pessoa (PB) em 1983, Ernesto Mané é físico, diplomata e escritor de dupla nacionalidade – brasileira e guineense. É formado em Física pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB), doutorado pela Universidade de Manchester, no Reino Unido, e pós-doutorado no laboratório TRIUMF (Canadá) e na Universidade de Princeton (EUA). Desde 2014, integra o corpo diplomático do Ministério das Relações Exteriores do Brasil e, em 2025, foi nomeado Primeiro-Secretário da Embaixada Brasileira em Buenos Aires.
Sobre a Osupa
A Osupa Productions é uma produtora internacional sediada em Nova York, que atua em arte, cultura, impacto social e esporte, conectando o Brasil aos Estados Unidos. Criada pela baiana Suzane Sena, é reconhecida por projetos de grande visibilidade, como Carolina, a Escritora do Brasil, a ação da marca Badu Design na Times Square e o Women’s Soccer Legacy Summit (WSLS). Também produziu a book tour da bailarina Ingrid Silva na Bahia, com exposição no MAM. No portfólio, reúnem-se exposições, lançamentos literários e performances artísticas em instituições como Columbia University, Consulado do Brasil em Nova York e NYU. A empresa também atua na África, com projetos culturais em Moçambique como o festival de arte, cultura e tecnologia Txeka-lá. A Osupa consolida-se como principal ponte cultural entre a Bahia e Nova York.
Serviço:
Bate-papo e sessão de autógrafos: “Antes do Início”, do diplomata e físico Ernesto Mané.
Editora Tinta-da-China. Participação da escritora Calila das Mercês
Quando: 15 de novembro de 2025, às 18h (aberto ao público)
Onde: Livraria do Gláuber – Praça Castro Alves, 5 - Centro, Salvador - BA, no Cine Gláuber
Valor do livro: R$ 74
Por Gabriela de Paula
