Psicólogo e Mestre em Psicologia Vladimir Nascimento/Foto: Arquivo O Candeeiro
ARTIGO - Cultura da insensibilidade = Por Vladimir Nascimento
Às vezes exigimos boa colheita de uma plantação que nós mesmos infestamos de pragas. Sempre cobramos algo dos outros, mas esquecemos de reconhecer que precisamos fazer também a nossa parte. Exigimos com veemência nossos direitos, mas quase sempre somos relapsos no cumprimento dos nossos deveres.
E um dos deveres que devemos ter como prioridade é fazer com que o mundo seja melhor para as futuras gerações. É necessário que deixemos nossa marca no mundo, e que esta seja positiva. Porém, geralmente acontece o oposto: não percebemos ou valorizamos a dor alheia; evitamos o contato físico e prezamos mais pela relação virtual; escolhemos um candidato que possa nos beneficiar individualmente, e não pelo projeto de alcance coletivo; falamos mais e ouvimos menos; vivemos sob o mesmo teto, mas não nos comunicamos; além de várias outras características da nossa era que podemos nomeá-la de cultura da insensibilidade.
A palavra sensibilidade vem do latim Sentire, que significa “sentir”, “perceber”. Quando somos insensíveis é porque não estamos sentindo ou percebendo o sofrimento do outro, um ser humano como nós. E, consequentemente, nossas crianças estão deixando de aprender valores essenciais: o cuidado, a afetividade, a sensibilidade, a empatia… e buscando consolo mais na tela de um celular do que no aconchego dos pais.
Muitas vezes nossa insensibilidade está tão arraigada que agimos automaticamente. Ao invés de ajudar uma pessoa a sobreviver, contribuímos para jogar a última pá de terra sobre seu corpo. Quantas pessoas, de maneira sensacionalista, vibram ao se deparar com um acidente ou crime e faz questão de filmar e compartilhar com outras pessoas? A chamada de emergência para socorrer a vítima geralmente vem em segundo plano. Quantos dão audiência diariamente a canais de notícias que fazem questão de mostrar as desgraças que acometem as pessoas? Quantos, mesmo sabendo que sua atitude poderia evitar grandes malefícios coletivos, preferem ser cúmplices de comportamentos criminosos para se beneficiar? Quantas pessoas prejudicam colegas de trabalhos para se promover, mesmo estando consciente que o desemprego do colega vai prejudicar a família e os filhos que dependem do trabalho do pai para sobreviverem?
Precisamos combater esses males da insensibilidade diariamente, agindo com o outro da mesma forma que queremos ser tratados. Mesmo que não sejamos reconhecidos por isso, somos responsáveis e devemos contribuir na construção de um mundo melhor, principalmente para nossas crianças. Certa vez, um médico demorou propositalmente para atender o paciente que estava precisando dos primeiros socorros; mas o que ele não sabia era que aquela vítima (que acabara morrendo por omissão de socorro) era seu filho que tinha sofrido um acidente na estrada. Portanto, o mal não está atrelado às grandes guerras, mas na nossa insensibilidade plantada no dia a dia contra o outro. Faz-se necessário um exercício diário de empatia. Afinal, será que seríamos capazes de compartilhar nas redes sociais o vídeo de uma desgraça, da qual as vítimas fossem nossos parentes?
Vladimir de Souza Nascimento
Psicólogo, mestre em Psicologia (UFBA), autor do livro DIFERENÇAS e Palestrante.