Elza Soares gravando voz para o documentário 'O Primeiro Beijo' / Foto: Vilma Neres
Documentário com participação da voz de Elza Soares aborda sobre a dependência química de mulheres negras e a omissão do Estado
A diretora baiana Urânia Munzanzu apresenta o filme documentário “O Primeiro Beijo”, uma produção que chega às telas como um manifesto político pela vida de mulheres negras em situação de dependência do uso do crack, revelando como a droga opera como mecanismo de extermínio, apagamento e feminicídio.
Fruto de uma pesquisa de 14 anos, o longa tem sua estreia nacional em Salvador, no dia 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, no circuito da Saladearte em Salvador (Av. Sete de Setembro, 2195, Vitória, Salvador - BA).
“‘O primeiro beijo’ é como, em Salvador, as mulheres nomeiam a primeira experiência com a droga. Essa frase cheia de múltiplos sentidos, e de certa maneira sutilmente irônica, guarda a dor de mulheres para as quais as experiências de amor e de afeto estão necessariamente atravessadas pelas mais variadas formas de violência”, comenta Urânia Munzanzu .
Contando com a participação especial da voz de Elza Soares, narrando o poema “Canarinhas da Vila”, de Landê Onawale, a produção traz entrevistas e relatos marcados por coragem, dor e humanidade, colocando em primeiro planos mulheres dependentes químicas e seus familiares, expondo a ausência de políticas públicas, assim como o impacto da violência racial e de gênero, além das contradições de um Estado que normaliza o abando. Ao mesmo tempo, o filme evidencia a importância de redes de apoio e estratégias de resistência construídas por essas mulheres.
Com trilha sonora original de Jarbas Bittencourt e uma equipe majoritariamente negra que reforça a narrativa estética e política da obra, “O Primeiro Beijo” tem produções associadas de nomes como Lázaro Ramos e Thiago Gomes, e amplia o debate sobre como o Brasil constrói, alimenta e naturaliza suas “cracolândias”.
“Eu escolhi tirar essas mulheres da rua, de perto da boca, de lugares sujos e sem dignidade. Eu as levei para um teatro. Um espaço com um camarim, banheiros limpos, espaço para elas se arrumarem - se quisessem - tinha boa comida, água, frutas para que elas pudessem se alimentar e falar em um espaço seguro”, conta a cineasta, que pensou em uma construção narrativa e estética que contasse a história de vida dessas mulheres, mas que não passasse por uma exploração da dor.
“O Primeiro Beijo” nasceu de um encontro em 2006, quando Urânia era jornalista e moradora do centro de Salvador e nem se imaginava cineasta. Ela foi abordada por Rilda, mulher negra em situação de dependência química severa, que insistiu para que sua trajetória fosse registrada. “Eu vou morrer, mas antes disso quero falar dessa droga”. A partir desse chamado urgente, o documentário se constrói como testemunho, escuta e enfrentamento.
“A linha que me separava de Rilda era muito tênue. Era só o ‘primeiro beijo’ que ela deu e eu não dei. Sendo uma mulher negra e de santo, entendi que tinha uma espiritualidade gritando, e enquanto sujeito político, eu tenho um compromisso com a minha comunidade”, afirma a cineasta que, desde então, tem se voltado à construção narrativa de produtos audiovisuais com foco em em raça, gênero e política. Entre eles, o curta “Na Volta Eu Te Encontro” (2025) que recebeu 7 premiações em festivais pelo Brasil.
“Minha esperança é que este filme chegue para jovens negras e negros, que as escolas possam levantar esse debate, que a informação circule nos espaços onde todos os dias chegam fuzis e sua "balas perdidas”. Esse filme é para meu povo. É pra gente não morrer”, conclui Urânia Munzanzu.
A coprodutora do filme, Susan Kalik, reforça que a mensagem central do documentário é compreender o crack dentro da estrutura que o produz. “Temos no Brasil um processo civilizatório construído com base necropolítica e o crack faz parte disto. Este filme lança olhar sobre mulheres que tiveram seus caminhos atravessados por esta droga maldita, não só como usuárias, mas como mães, filhas, esposas que resistem, persistem, sobrevivem. É um filme sobre dororidade, mulheridades e ‘sobre vivência’”.
“O Primeiro Beijo” é produzido pela Acarajé Filmes, em parceria com Modupé Produtora Audiovisual e Mulungu Realizações Culturais, com distribuição da Olhar Filmes. Este projeto foi contemplado nos Editais da Paulo Gustavo Bahia e tem apoio financeiro do Governo do Estado da Bahia, por meio da Secretaria de Cultura via Lei Paulo Gustavo, direcionada pelo Ministério da Cultura, Governo Federal. Paulo Gustavo Bahia (PGBA) foi criada para a efetivação das ações emergenciais de apoio ao setor cultural, visando cumprir a lei complementar n.º 195, de 8 de julho de 2022.
Ficha Técnica
“O Primeiro Beijo”
Direção: Urânia Munzanzu
Duração: 110 minutos
Classificação: 16 anos
Produtora: Acarajé Filmes
Co-Produtora: Modupé Produtora Audiovisual
Produtora Associada: Mulungu Realizações Culturais
Produção Executiva: Urânia Munzanzu e Susan Kalik
Roteiro: Urânia Munzanzu e Susan Kalik
Direção De Fotografia: Edinho Alves, Gabriel Teixeira e Maoma Faria
Direção de Produção: Flávia Santana
Produtores associados: Lázaro Ramos e Thiago Gomes
Distribuição: Olhar Filmes
Montagem: Thiago Gomes Rosa
Trilha Sonora Original: Jarbas Bittencourt
Pesquisa: Urânia Munzanzu E Lorenlai França
Assistente de Direção: Tais Amordivino
Câmera: Tatiana Trad, Alexandre Rosa, Paulo Roberto Santos
Assistente De Câmera: Jaine Oliveira
Imagens Extras: Falani Afrika E Ismael Silva
Iluminador Teatro: Marcos Fernandes
Colorização, Desenho de Som e Mixagem: Modupé Produtora
Som Direto: Dudoo Caribe
Assistente De Som Direto: Cristiana Fernandes
Captação de Som de Elza Soares: Ricardo Muralha E Vilma Neres
Participação Especial (Voz): Elza Soares
Poema Original: Canarinhas Da Vila De Landê Onawale
Organização de Material Bruto: Raiane Vasconcelos, Daiane Rosário e Letícia Figueiredo.
Site e Redes Sociais: Giovana Romano Sanchez e Rubian Melo
Tradução de Textos: Giovana Romano Sanchez
Programação Visual para Site e Redes Sociais: Diego Ribeiro e Giovana Romano Sanchez
Fotos Still: Alile Dara Onawale, Vilma Neres, Mel Ádun e Ismael Silva
Fotos para Material de Apoio: Jefferson Dias e Léo De Azevedo
Produção de Base, Locações e Entrevistas: Tais Amordivino, Ismael Silva, Flávia Santana e Juê Olívia
Assistente de Produção: Daniele Andrade e Padma Lima
Platô: Loiá Fernandes
Motoristas: Antônio Costa, Carla Ramos e Almir Damasceno
Sobre a diretora Urânia Munzanzu
Urânia
é mulher negra, sapatão, nascida e criada no pelourinho, em
Salvador-Bahia. Cineasta, roteirista, poeta e produtora. Mestre em
antropologia pela UFBA, fundadora da Frente Marginal de Arte Negra e CEO
da Acarajé Filmes. Produz narrativas transatlânticas, passando pelo
Brasil, Caribe e África com foco em raça, gênero e política de mulheres
negras. Tem se dedicado a desenvolver e conceituar o “cinema de
cozinha”, um método que desenvolveu para ancorar os anseios políticos e
estéticos do cinema negro que produz. Documentários: Diretora e Roteirista do longa-metragem O Primeiro Beijo (2024); Mulheres Negras em Rotas de Liberdade (em produção) longa-metragem com produção em no continente africano, co-produção Brasil/Benim/França; Candomblé (em
desenvolvimento) longa-metragem que também será rodado no Benim e
Nigéria. Roteiro, direção ; Roteirista e diretora do curta-metragem Abô (2021); Curta Metragem Merê (2018),
Prêmio de Direção e o Selo Zózimo Bulbull de filme Curta Metragem e
direção na Mostra de Cinema Adélia Sampaio; Longa Metragem Maestrina da Favela (2018). Assistente de direção, Prêmio de melhor documentário na MIMB 2019. Projetos de ficção - As Joias de Oxum (2025) direção e roteiro; Na Volta eu te Encontro (2025)
direção e roteiro, Prêmio de Melhor Filme de Ficção do Festival Cine
Deburu 2025; Prêmio de Melhor Fotografia e Melhor Som no XX Panorama
Internacional Coisa de Cinema; Prêmio de Melhor Filme na Mostra Outros
Brasis do Festival Afroestima 2025; Prêmio de Melhor filme pelo Júri
técnico no 32º Festival de Cinema de Vitória 2025; Prêmio de Melhor
Filme Mostra Raízes no 8º Festival Lugar de Mulher é no Cinema; Prêmio
Canal Brasil de Curtas no 53° Festival de Cinema de Gramado; Prêmio de
Melhor Fotografia no 11° Recifest. Orquestra
(em desenvolvimento), Prêmio Aldir Blanc, 2020; Nuevas Miradas – Cuba e
Torino FilmLab – Itália (2023); Cátedra de producción EICTV (2023);
Filma Afro (2023). Séries: OMOYA (2021) direção e roteiro; Afroroutes (2019). Produtora e Assistente de direção na série musical produzida no Brasil, Tunísia, Marrocos. Videoclipes: 14 de Maio (2021) artista Lazzo Matumbi; Iyá Nílá (2021) artista Nitorê Akadã
Sobre a Olhar Filmes
Nascida do desejo de buscar a pluralidade de experiências, visões de
mundo e diversidade, a Olhar Filmes busca transpor fronteiras que
limitam a ficcionalidade e a realidade, levando as produções a outros
olhares, com o objetivo de sensibilizar e provocar reflexão, promovendo
filmes que dialogam com a contemporaneidade, a multiplicidade de
realidades e narrativas. Os filmes distribuídos pela Olhar já marcaram
presença em vários festivais nacionais e internacionais, ganhando
prêmios em muitos deles, como Festival de Cannes, Sundance Film
Festival, San Sebastian, Festival de Berlim, Festival de Rotterdam, BFI
London, Dok Leipzig, Frameline, Indie Lisboa, Festival de Gramado,
Mostra São Paulo, Festival do Rio, dentre outros, somando mais de 700
participações e 150 prêmios. Contribuindo para o crescimento do cinema
brasileiro, a Olhar Filmes já distribuiu filmes no BRasil e outras
partes do mundo, e, recentemente, lançou sua própria plataforma de
exibição, a OlharPlay, com catálogo vasto com muitos dos seus pais, além
da disponibilidade nas plataformas populares de streaming, Globoplay,
Telecine, Netflix, Mubi, Prime Video e Apple TV. Entre os títulos
lançados pela Olhar, destacam-se os filmes “Meu Corpo é Político” de
Alice Riff; “Nóis por Nóis”, de Aly Muritiba e Jandir Santin; “Os
Primeiros Soldados” de Rodrigo de Oliveira; “Alice Júnior” de Gil
Baroni;“Meu Nome é Daniel” e “Assexybilidade” de Daniel Gonçalves;
“Vento Seco” de Daniel Nolasco; "A Mesma Parte de Um Homem" de Ana
Johann; "UÝRA, A Retomada da Floresta" de Juliana Curi; “Rafiki” da
diretora queniana Wanuri Kahiu; e “Praia Formosa” de Julia De Simone.
Por Felipe Almeida
