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ARTIGO - O paradoxo nordestino: a rica beleza natural e o saneamento entre os piores do país = Por Luana Pretto
2033.
Esse é o prazo final estabelecido pelo Novo Marco Legal do Saneamento
Básico para que todas as localidades brasileiras alcancem a
universalização, garantindo para 99% da população atendimento de água
potável e 90% de coleta e tratamento de
esgoto. Uma meta possível, mas que se revela cada vez mais desafiadora
quando analisadas as disparidades regionais do Brasil.
Ao aproximar o olhar para o Nordeste, os indicadores de saneamento do Sistema Nacional de Informações em Saneamento Básico (SINISA), ano-base 2023, mostram desafios de uma realidade precária, em que aproximadamente 14 milhões de habitantes vivem sem acesso à água potável e mais de 37 milhões carecem de coleta de esgoto.
O
Ranking do Saneamento 2025, divulgado pelo Instituto Trata Brasil,
oferece um retrato do saneamento nas 100 cidades mais populosas do país,
sendo 20 delas localizadas na região Nordeste. Apenas Vitória da
Conquista (BA) figura próxima às melhores
colocações, ocupando a 23ª posição – um avanço de seis posições em
relação ao ano anterior. Campina Grande (PB) e Aracaju (SE) aparecem na
metade superior do Ranking, ocupando respectivamente as posições 38ª e
44.ª Por outro lado,
quatro capitais nordestinas figuram entre as 20 piores do país: São Luís
(MA) na 91ª posição, Maceió (AL) na 86ª, Recife (PE) na 83ª e Natal
(RN) na 80ª. Os demais municípios nordestinos situam-se na parte
inferior do ranqueamento.
Esse cenário ilustra que cidades e importantes capitais do Nordeste brasileiro estão distantes das metas de universalização do saneamento básico. Tal distância compromete a saúde, bem-estar e qualidade de vida de milhões de brasileiros. Crianças em idade escolar enfrentam maior incidência de doenças de veiculação hídrica, comprometendo seu desenvolvimento e aprendizado; trabalhadores perdem dias produtivos devido a enfermidades evitáveis; e famílias inteiras convivem com a insegurança hídrica e ausência de esgotamento sanitário como uma constante em suas vidas.
Além
do impacto social, para uma região que abriga patrimônios naturais
únicos e depende significativamente do turismo, a deficiência em
saneamento impacta diretamente o meio ambiente e a economia local.
Com apenas 34,7% do esgoto tratado, o que representa um volume equivalente a 1.386 piscinas olímpicas de esgoto sem tratamento despejadas todos os dias na natureza, esse despejo irregular contamina corpos hídricos e degrada ecossistemas que são, simultaneamente, fonte de renda e identidade cultural nordestina. É um contrassenso que regiões de beleza natural exuberante convivam com a ausência da infraestrutura de saneamento básico.
O
acesso e a melhoria dos serviços de abastecimento de água e coleta e
tratamento de esgoto dependem de investimentos robustos e consistentes.
Segundo o Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), o investimento
ideal para alcançar a
universalização do saneamento nos municípios brasileiros é de R$ 223,82
por habitante/ano.
A realidade nordestina, contudo, está distante do valor necessário. A média anual de investimento nas 20 cidades da região incluídas no ranking é de apenas R$ 105,26 por habitante – menos da metade do investimento estipulado pelo PLANSAB. Quando expandimos para toda a região Nordeste, o quadro se torna ainda mais crítico, com investimentos de apenas R$ 82,18 por habitante, representando pouco mais de 36% do necessário para a universalização.
A
oito anos do prazo para universalização, 2025 representa um ano
decisivo por marcar o primeiro ano de mandato dos prefeitos
recém-eleitos. Esses gestores públicos têm em suas mãos o planejamento
de seu município e a oportunidade única de
implementar planos estruturados, direcionando maiores investimentos à
infraestrutura básica.
Somente através de um planejamento integrado de curto, médio e longo prazo e investimentos constantes será possível garantir que, em 2033, todos os habitantes desfrutem de melhores condições de vida e que cada município colha os diversos benefícios socioeconômicos e ambientais decorrentes do acesso universal ao saneamento básico.
Luana Siewert Pretto é Engenheira Civil (UFSC), com mestrado na área de Análise Multicritério (UFSC) e pós-graduada em Gestão de Projetos (FGV). Atuou na concessionária estadual de saneamento básico de Santa Catarina (CASAN) e como presidente da Empresa Pública municipal de saneamento básico Companhia Águas de Joinville. Atualmente, é Presidente-Executiva do Instituto Trata Brasil.