
Foto: Divulgação/Arquivo O Candeeiro
ARTIGO - Cássio, de herói no campo a guerreiro pela educação inclusiva = Por André Naves
Querido Cássio, herói do
Corinthians, herói do Cruzeiro, herói do Brasil. Neste momento, o
clubismo passa longe, e todos nós brasileiros solidarizamo-nos com seu
drama. Acredite, sua dor é também a de muitos brasileiros,
principalmente dos mais desassistidos. Que a sua voz una-se a de todos
nós, ativistas pela inclusão social e pela educação inclusiva. A
história de Maria Luíza, sua filha, não é apenas um caso isolado de
exclusão; é a exposição de um fedor que exala de uma ferida aberta e
sistêmica em nossa sociedade.
A
sua voz, amplificada pela admiração que o Brasil tem por você, Cássio,
transforma uma dor particular em um chamado coletivo. A luta pela
educação inclusiva é, em sua essência, a luta pela alma do Brasil. É a
defesa da dignidade, o combustível para a criatividade e a mola mestra
da inovação, sendo, portanto, um pilar indispensável para o
desenvolvimento econômico e social do nosso país.
A recusa de uma escola em matricular uma criança com deficiência não é uma mera "falta de preparo" ou uma decisão discricionária. É uma afronta direta à dignidade humana e um ato ilegal. A Lei Brasileira de Inclusão (LBI - Lei nº 13.146/2015) é categórica ao estabelecer, em seu Art. 27, que a educação é um direito da pessoa com deficiência, assegurando um "sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida".
Recusar matrícula é crime,
previsto no Art. 8º da Lei nº 7.853/89. Portanto, a atitude dessas
escolas em Belo Horizonte, como você bem disse, é nefasta e nojenta não
apenas moralmente, mas também juridicamente. A Inclusão não é um favor; é
um direito inalienável que garante que cada indivíduo seja visto em sua
plenitude e potencial. Um ambiente escolar homogêneo, que segrega o
"diferente", é um ambiente intelectualmente pobre. A criatividade
floresce no encontro de múltiplas perspectivas. Crianças que convivem
com a diversidade desde cedo aprendem a resolver problemas de formas
inovadoras, desenvolvem a alteridade, a colaboração e a flexibilidade
cognitiva — habilidades essenciais para a economia do século XXI.
Quando uma escola exclui uma criança como a Maria Luíza, ela não está apenas negando um direito somente a ela. Está roubando de todos os outros alunos a oportunidade de crescerem como seres humanos mais completos e cidadãos mais preparados. Está privando a sociedade de futuros profissionais que enxergam o mundo para além das caixas e dos padrões. A inovação social e tecnológica depende de mentes que foram ensinadas a acolher, e não a excluir.
Os números mostram que,
felizmente, a luta pela inclusão tem gerado frutos. Segundo dados do
Anuário Brasileiro da Educação Básica de 2024, 91% das matrículas de
estudantes com deficiência na Educação Básica em 2023 foram realizadas
em classes comuns. Isso demonstra que a inclusão é a regra e o caminho
que o Brasil escolheu seguir. Contudo, o desafio permanece imenso. A
mesma pesquisa aponta que a taxa de analfabetismo entre pessoas com
deficiência é de 19,5%, um abismo quando comparada aos 4,1% entre
pessoas sem deficiência. Isso nos mostra que não basta matricular; é
preciso garantir a permanência, o aprendizado e o desenvolvimento pleno.
A exclusão não acontece só na porta da escola, mas dentro dela, na falta de recursos, de formação de professores e de um olhar verdadeiramente acolhedor. Cássio, convido-o para uma "grande luta"! A sua fama e a sua penetração social são ferramentas poderosas para amplificar a voz de milhares de pais e mães anônimos que enfrentam essa batalha todos os dias.
Investir em educação inclusiva é a política econômica mais inteligente que uma nação pode adotar. Gera retorno em capital humano, em coesão social, em redução de desigualdades e no fortalecimento da nossa democracia. Cada criança incluída hoje é um cidadão mais autônomo, produtivo e engajado amanhã.
Que a sua voz, Cássio, se una à nossa. Vamos juntos construir um Brasil onde nenhuma criança fique para trás. Um país onde a beleza da diversidade humana seja celebrada em cada sala de aula, transformando nossas escolas em verdadeiros berços de um futuro mais digno, criativo e justo para todos.
* André Naves é Defensor Público Federal formado em Direito pela USP, especialista em Direitos Humanos e Inclusão Social; mestre em Economia Política pela PUC/SP; Cientista Político pela Hillsdale College e doutor em Economia pela Princeton University. Comendador Cultural, Escritor e Professor (Instagram: @andrenaves.def).