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Paleta de emoções: autor transforma o cotidiano em literatura de sensações
A leveza de um encontro, a dor de uma perda, a solidão dos dias comuns e a beleza escondida nas pequenas coisas. Esses são alguns dos tons que compõem 50 Tons de Vida, livro do escritor e professor José Paulo Alves Fusco, que reúne contos breves inspirados em experiências pessoais e observações do cotidiano. Na obra, o autor equilibra lirismo e introspecção para falar daquilo que nos atravessa silenciosamente: as emoções. Com influências de Nelson Rodrigues, Rubem Alves e Jorge Amado, Fusco faz da literatura um espelho emocional onde o leitor reconhece, em cada história, algo de si.
Alternando humor, melancolia e reflexão, o autor propõe um passeio sensorial por ambientes como casas noturnas, apartamentos, delegacias e esquinas de uma cidade que nunca dorme — espaços onde as personagens vivem suas pequenas epifanias. Na entrevista abaixo, o autor fala sobre o processo criativo, suas influências, e a importância de refletir sobre os afetos que nos movem.
1.“50 Tons de Vida” reúne contos breves que abordam memórias, afetos e recomeços com lirismo e leveza. Como foi o processo de transformar lembranças pessoais e observações cotidianas em literatura?
José Paulo: O livro é uma coletânea de pequenas histórias, algumas delas de inspiração Rodrigueana e outras diversas, coletadas pelas esquinas que atravessamos todos em uma peregrinação sem fim. São contos verdadeiramente coloridos, que procuram retratar as emoções dos pequenos fatos que ocorrem no dia a dia, por onde passamos correndo sem percebê-las direito. São episódios tão corriqueiros que, à primeira vista, ficam difíceis de serem traduzidos em palavras. Para tanto, precisamos lançar mão de nossas lembranças emocionais e recheá-las com os entornos e os encadeamentos que vivenciamos em cada uma delas.
2. A obra transita entre o humor, a melancolia e a introspecção. De que forma essa alternância de tons contribui para representar as complexidades da experiência humana?
J.P: Lembro-me bem do período em que morei em São Paulo em função de minhas obrigações profissionais. Invariavelmente, saía de casa preparado para as quatro estações, com guarda-chuvas, casaco e sapatos impermeáveis, porque num só dia poderia fazer frio pela manhã, calor na parte da tarde e chuva à noite. No entanto, depois de algum tempo, percebi que aqueles que conhecessem o “caminho das galerias” do centro, tinham mais chances de escapar das chuvas sem se molhar muito. Era um segredo que só os “iniciados” conheciam.
Do mesmo modo, fui percebendo que, num só dia, poderíamos passar por todo tipo de situação, indo desde a alegria por um trabalho bem-feito, uma conquista, até sentimentos de raiva, solidão. Começava pela manhã e só terminava “quando acabava” (como dizia o Chacrinha). Quantas lições eu tirei dessas minhas vivências diárias e das emoções que passei a sentir e viver de uma forma diferente. As muitas pessoas que conheci, que desempenharam os diversos papéis que fazem parte desta nossa coletânea, também me ensinaram a ver diversas outras facetas da vida.
Assim, colocando as emoções em palavras no papel, buscamos apresentar nesta obra uma coletânea de “aventuras” vividas no "asfalto selvagem" de nossos amores e paixões terrenas. Desse modo, até o presente, vamos caminhando, tateando meio cegos, abrindo "picadas" na selva, aqui e ali, caindo muitas vezes e nos levantando outras tantas, utilizando o que resta dos nossos sentidos em seus diversos tons, equilibrando-nos nos desejos mundanos que nos atingem.
Ao longo de tal caminho, o que antes era uma visão panorâmica do universo se reduz à próxima esquina mal iluminada, às ruas que se perdem na escuridão das noites mal dormidas, às paredes opressoras de um quarto em completa solidão. O que antes era leveza, de repente torna-se pesado, incômodo, um quadro cinzento e cheio de pontas. Machuca e fere como vidro quebrado nas mãos de um menino, que procurei explorar.
3. Você menciona que o livro pode ser lido por partes, mas mantém uma unidade temática. Qual foi o fio condutor que guiou a seleção e organização dos contos?
J.P: O objetivo primário da elaboração do livro foi procurar discorrer sobre histórias do cotidiano das pessoas, vida boêmia, contos policiais na grande cidade, que representaram o fio condutor, uma espécie de “macro-diretriz”, para obter um conjunto mais ou menos coeso de narrativas. Apesar de estarem encadeadas por esse “macro-enredo”, são histórias estanques, cada uma delas com princípio, meio e fim, que possibilitam que se leia o livro de acordo com o “apetite” de cada um, mas sem perder o “espírito da coisa”. As sensações podem ser de alegria, desejo de saber o final das histórias, curiosidade, passar o tempo. A maior parte das histórias foram ambientadas em casas noturnas, boates, distritos policiais ou até mesmo em casas de família, apartamentos, para onde nos levavam os personagens em suas andanças.
4. Influenciado por autores como Rubem Alves, Jorge Amado e Nelson Rodrigues, como você equilibra a leveza da linguagem com a profundidade das reflexões que propõe ao leitor?
J.P: Quando abrimos os olhos da alma, passamos a enxergar muitos outros seres que, tal como nós, tentam recuperar as fórmulas esquecidas nos borrões de tinta em que se transformaram nossas lembranças. Como traduzir tais lembranças em reflexões que possamos entender? Em primeiro lugar, nesta vida buscamos todos retornar a uma pátria que não sabemos, não lembramos exatamente onde fica, mas que não deve ser longe. Paradoxalmente, está dentro de nós, mas não sabemos como chegar lá. Para tanto, a racionalidade cartesiana marrom do bicho-homem passa a nos desafiar todos os dias, mas claramente não é suficiente. As portas que nos aparecem por aqui não têm letreiros, não dizem para onde podem nos levar, nem seguem uma lógica certa, libertadora, da gaiola onde estamos. Desse modo, o primeiro desafio é utilizar uma linguagem que faça sentido para mim mesmo, para que eu consiga interpretar a vida ao meu redor, estabelecendo uma relação de causa e efeito entre tudo aquilo que chega e se vai na minha história. Somente depois de conseguir esse entendimento é que eu me sinto com alguma força de propósito para contar o que vivo e vivencio, para que outras pessoas possam também entender. Em suma, primeiro eu procuro contar as histórias para mim mesmo e, se eu conseguir entendê-las, aí eu conto para os outros.
5. Que tipo de impacto ou sentimento você espera despertar em quem atravessa essas histórias de vida em movimento?
J.P: A vida só começa a existir verdadeiramente quando nos movemos, nossas emoções começam a nascer e buscam seu lugar dentro de nós, quando buscamos algo e quando começamos a amar alguém, tomar paixão pelo que fazemos, pelos nossos irmãos que nos acompanham, pela natureza e pelo mundo em que vivemos. Assim, nossas “aventuras” passam a fazer sentido quando se encaixam dentro de uma ou mais dessas visões. As cores de nossas emoções neste mundo, apesar de mais nítidas, tornam-se cada vez mais difíceis de serem alcançadas em função da crescente complexidade da vida. Tentamos e caímos, tentamos e caímos, para novamente tentar e cair, qual fôssemos filhotes de águia aprendendo a voar. A vida nua e crua é assim mesma, sem muitas ilusões. A "vida como ela é" tal como define Nelson Rodrigues. O mundo é uma escola de onde só conseguimos sair após um certo "período de estudo". Um famoso escritor, já em idade avançada, quando perguntado se a idade o havia trazido sabedoria, disse que “saber mesmo eu não sei quase nada, mas já desconfio de muita coisa”. Por isso, espero que minhas histórias façam com que muitas pessoas comecem a desconfiar que uma vida, sem reflexão, não vale muita coisa.
Sobre o autor: José Paulo Alves Fusco é professor de Graduação e Pós-graduação na UNESP (Universidade Estadual Paulista) e UNIP (Universidade Paulista), Presidente da ABL - Academia Bauruense de Letras biênio 2022 2023, onde ocupa a cadeira de número 40. Algumas de suas principais publicações são: Lembranças de um Legionário, Gládio de Sangue, O Amor em Movimento, A Superação pelo Amor, A Espada e a Fé, entre outros.
Sinopse: Em 50 Tons de Vida, José Paulo Alves Fusco transforma vivências cotidianas em contos sensíveis e reflexivos. Entre afetos, memórias e recomeços, o autor convida o leitor a revisitar suas próprias emoções com leveza e profundidade. Com linguagem acessível e toques de lirismo, a obra traça um mosaico íntimo da experiência humana. Uma leitura que acolhe, provoca e inspira.
FICHA TÉCNICA
Título: 50 Tons de Vida
Autor: José Paulo Alves Fusco
Editora: ARTÊRA Editorial
ISBN: 978-65-250-5616-6
Páginas: 238
Preço: R$ 63,00
Onde comprar: Amazon / Editora Appris