.jpg)
Foto: Divulgação
ARTIGO - Chegou a hora de um tribunal exclusivo para julgar a manipulação de resultados - Por João Antonio de Albuquerque
Quando se fala em manipulação de resultados, a indignação é imediata. Para torcedores, atletas e apostadores a ideia de que um jogo pode ser decidido fora das quatro linhas mina a credibilidade do esporte. Mas, por mais que esse debate já tenha se intensificado nos últimos anos, a verdade é que ainda engatinhamos na criação de mecanismos eficazes para combater esse problema. A recente prorrogação da CPI da Manipulação de Jogos por mais 45 dias traz uma oportunidade valiosa: aprofundar o debate e, quem sabe, assumir um protagonismo global na regulamentação desse tipo de fraude.
O caso envolvendo Lucas Paquetá, com previsão de julgamento pela Federação de Futebol da Inglaterra em março de 2025, exemplifica como as investigações sobre manipulação ainda dependem da iniciativa de organismos estrangeiros. No Brasil, apesar de algumas medidas e punições pontuais, ainda falta uma estrutura verdadeiramente eficaz para lidar com a questão. É preciso ir além da punição individual e pensar em uma estrutura permanente que assegure transparência e credibilidade para o esporte.
Se há algo que aprendemos com o combate ao doping, é que a descentralização de julgamentos pode gerar insegurança jurídica e decisões conflitantes. Antes da criação do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD-AD), cada modalidade esportiva tratava os casos da sua maneira, sem um padrão de punição. O resultado? Regras internacionais que não eram seguidas à risca e atletas recebendo sentenças diferentes para situações semelhantes. Com um tribunal especializado, essa lacuna foi preenchida. O mesmo precisa acontecer com a manipulação de resultados.
A CPI pode ser um passo importante para entender a dimensão do problema, mas apenas isso não basta. O Brasil precisa liderar um esforço para a criação de um tribunal próprio dedicado a julgar exclusivamente casos de manipulação. Com isso, poderíamos garantir investigações mais profundas, decisões mais uniformes e um sistema de punição que desestimule a fraude. Pois, se há um consenso sobre esse tipo de crime, é que ele não pode continuar sendo tratado como uma questão menor.
Além da criação de um tribunal específico, a legislação também precisa acompanhar a evolução das fraudes. Hoje, a manipulação de resultados é sofisticada, envolvendo redes internacionais de apostadores, criptomoedas e até inteligência artificial para tentar burlar os sistemas de monitoramento. O problema deixou de ser apenas uma questão ética dentro do esporte - tornou-se um esquema complexo que exige respostas igualmente elaboradas.
Se o Brasil se posicionar de forma firme e inovadora, pode se tornar referência mundial no combate a esse tipo de prática. Assim como o Tribunal Antidopagem brasileiro se consolidou como um modelo eficiente, um órgão voltado à manipulação de resultados poderia servir de exemplo para outros países. Afinal, estamos falando de um fenômeno global e, quanto mais países adotarem regras claras e punições rigorosas, menor será a margem para criminosos explorarem brechas.
O que não pode acontecer é a CPI se tornar apenas mais um capítulo inconcluso dessa história. A sociedade já entendeu que manipulação de resultados é uma ameaça real ao esporte, mas é preciso que as autoridades façam sua parte. Não se trata apenas de investigar casos pontuais, mas de estruturar um sistema de fiscalização e punição que seja, de fato, eficiente. O esporte precisa de justiça - e justiça não pode ser exceção.
João Antonio de Albuquerque e Souza é atleta olímpico, graduado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e mestre em Direito e Justiça Social pela UFRGS. Atualmente, é Presidente do Tribunal de Justiça Desportiva Antidopagem (TJD-AD) e sócio fundador do escritório Albuquerque e Souza. Com expertise em Direito Civil, Trabalhista e Desportivo, sua atuação abrange temas como contratos e responsabilidade civil.