
Foto: Divulgação/Arquivo O Candeeiro
ARTIGO - O homem diante da Inteligência Artificial: criador ou criatura? O poder invisível que decide por nós = Por Plácido Faria
Mas afinal, o que é um algoritmo?
De forma simples, é um conjunto de instruções lógicas e matemáticas que orienta as máquinas a tomar decisões. Ele “aprende” a partir de padrões: o que pesquisamos, o que compramos, o que curtimos e até o tempo que passamos olhando uma imagem. Com base nisso, o algoritmo prevê comportamentos e oferece respostas personalizadas, moldando o que vemos, o que pensamos e, muitas vezes, o que desejamos.
A promessa inicial da tecnologia era libertar o homem das limitações do corpo e da distância. Paradoxalmente, tornou-se uma nova forma de controle. O algoritmo, invisível e silencioso, dita tendências, filtra informações e cria bolhas de percepção.
O filósofo Michel Foucault descreveu o “biopoder” como a administração da vida pelo poder. Hoje, poderíamos falar em “datapoder”: a dominação exercida pela informação. A cada clique, alimentamos uma máquina que nos observa, analisa e, por meio de cálculos precisos, molda comportamentos.
A sedução controlada
O perigo não está apenas no controle externo, mas na ilusão da liberdade. Acreditamos ser livres porque escolhemos, mas escolhemos entre opções previamente selecionadas para nós. O algoritmo não impõe, ele seduz. E a sedução é a forma mais sofisticada de dominação.
A responsabilidade da máquina que julga
No campo jurídico, surgem dilemas inéditos:
• Até que ponto a coleta de dados fere a dignidade humana (art. 1º, III, da Constituição)?
• Quem responde por uma decisão automatizada que causa dano?
• É possível garantir o devido processo legal quando o julgamento vem de uma máquina?
Essas questões não pertencem apenas ao Direito Digital são desafios éticos da própria humanidade. Se o algoritmo é construído à imagem do homem, e o homem é, agora, moldado pelo algoritmo, quem é, afinal, o criador e quem é a criatura?
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL (IA) NO DIREITO
IA no STJ: o filtro que cala 96% dos recursos
O juízo de admissibilidade do recurso especial é julgado por inteligência artificial. Apesar de a ferramenta ser utilizada, a decisão final é tomada pelo ministro. Entretanto, prevalece a lei do menor esforço: mantém-se o entendimento da IA, prejudicando a parte. Quem pesquisa ou advoga sabe dessa injustiça.
Imaginem a situação do advogado ao justificar que não errou, pois o robô indefere quase todos os recursos que tratam da admissibilidade. A IA é utilizada como auxílio para triar e agrupar processos. O Superior Tribunal utiliza, por exemplo, o sistema SIA-Resp para acelerar a análise de adequação de recursos especiais.
Em 2023, foi noticiado, e não desmentido, que o Superior Tribunal de Justiça julgou apenas 4% dos recursos que o tribunal de origem não admitiu. Assim, a IA retirou do julgamento de mérito a maioria avassaladora dos recursos: 96%. Contudo, não se sabe a porcentagem dos que seriam procedentes.
Quando a máquina erra
Em maio de 2025, sucedeu um fato grave: o ministro Cristiano Zanin constatou que a IA gerou vários precedentes falsos, o que levou à rejeição da petição e à comunicação à Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
As funções da IA são diversas no Judiciário: elaboração de minutas e relatórios com o robô Maria; organização de recursos extraordinários pelo robô Vitor. Esses, ao contrário dos recursos especiais, são dirigidos à corte maior, o Supremo Tribunal Federal (STF).
STF e a repercussão geral
O STF foi um dos pioneiros na aplicação da inteligência artificial no setor público brasileiro, em 2018, identificando processos vinculados apenas à repercussão geral.
Pergunta-se: o que é repercussão geral?
São processos que chegam ao Supremo Tribunal Federal apresentando questões constitucionais de grande relevância econômica, política, social ou jurídica, e que servem para uniformizar a interpretação da Constituição. A decisão final tem efeito vinculante sobre as demais instâncias judiciais do Brasil.
Durante o julgamento pelo Supremo, ou os processos com temas semelhantes devem ficar suspensos. A tese acatada na decisão da repercussão geral é aplicada a todos os processos que estejam tramitando no país.
A repercussão geral foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004, e regulamentada posteriormente. O objetivo: desafogar o STF, uniformizar jurisprudência e acelerar processos.
Exemplo: a repercussão geral fixou a tese proibindo a cobrança da contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade.
Aspectos negativos da IA: o sistema é baseado em algoritmos, sem transparência, o que pode comprometer a ética e a imparcialidade da justiça. O CNJ tem buscado combater esses riscos.
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL (IA) NA MEDICINA
A medicina entre cálculos e humanidade
A IA não substitui a relação médico-paciente, que é fundamental para o tratamento e a cura. O lado psicológico é de suma importância.
No tratamento feito à distância, a frieza de uma máquina é indiscutível: ausência da presença do médico, falta de calor humano.
É cedo para um juízo definitivo sobre a IA na medicina. Talvez seu uso seja benéfico, utilizando algoritmos para analisar dados de saúde e fornecer diagnósticos mais precisos aos profissionais. Assim, há esperança no avanço da medicina, por meio da análise de exames de imagem, monitoramento remoto de pacientes e uso da robótica em cirurgias.
Diagnóstico por máquina: precisão ou previsão?
Mas, utilizando a técnica da maiêutica socrática, pergunta-se: em casos de erros médicos, quem responde?
No caso do rastreamento de doenças, uma das funções da IA, surge um debate recorrente na medicina: até que ponto as doenças crônicas são influenciadas por dados genéticos e estilo de vida?
A Inteligência Artificial começou a ser usada em 2018, no Hospital Sírio-Libanês, para mapear nódulos pulmonares a fim de prever riscos de desenvolver câncer de pulmão. Como se vê, há limites: software não é precisão, é previsão.
Erro médico com IA: quem responde?
O tema é vastíssimo, e o espaço não permite maiores digressões. A inteligência artificial é aplicada em diversas áreas, como:
• Gestão hospitalar
• Pesquisa e desenvolvimento
• Finanças
• Manufatura
• Agronegócio
• Varejo
• Logística
• Recursos humanos
• Mineração
• Indústria automotiva
A Inteligência Artificial causará desemprego, mas também a transformação do mercado de trabalho, eliminando alguns e criando outros empregos.
O futuro do trabalho: empregos que desaparecem, funções que nascem
A revolução tecnológica sempre criou rupturas. Com a IA, não será diferente: carreiras inteiras desaparecerão, mas novas funções surgirão, exigindo adaptação, criatividade e pensamento crítico.
A ficção da liberdade em tempos de algoritmos
“Quando o algoritmo sabe mais de nós do que nós mesmos, a liberdade se torna uma ficção.”
Plácido Faria é advogado criminalista, já atuou como promotor de Justiça e integrante do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais – placidofaria@yahoo.com.br
Colaborador do jornal e Site O Candeeiro