
Foto: Estudio Casa de Mainha
Lorena Bispo, 22 anos, conquista a plateia e é eleita Deusa do Ébano 2025
“Pronto,
pronto, gente, acalmem-se.” Essa foi a fala da apresentadora Arany
Santana para a plateia após a apresentação de Lorena Xavier no palco da
Senzala do Barro Preto, na noite do último sábado (15), durante a 44ª
Noite da Beleza Negra. Ao som da canção Ilê Original,
a eleita Rainha do Ébano 2025 arrepiou a torcida com uma coreografia
impecável e contagiante, pondo em prática a determinação que teve ao
levar o título de princesa na Noite da Beleza Negra do ano passado:
“Quando eu voltar, vou brocando”. Lorena
mora em Itapuã, tem 22 anos e mais de 30 mil seguidores em suas redes
sociais (@rainhalorebispo). Além de influenciadora, é dançarina e
escritora. Mesmo com toda sua espontaneidade, ela conta que ficou em
choque com a reação crescente da torcida durante sua aparição no palco. “Isso
me surpreendeu demais. Quando vi aquele mar de gente gritando... tomei
um barravento ali”, comentou, rindo. “Mas entendi que a nossa energia
contagia as pessoas, e elas são inundadas pela nossa dança. Eu realmente
não acreditei que tinha tanta gente gritando por mim, isso me marcou
muito”. Agora
vestida com seu manto de realeza, Lorena vibra com a missão de conduzir
milhares de negonas e negões malassombrados daqui a duas semanas,
durante o Carnaval cinquentenário do bloco afro mais antigo do Brasil.
“Esse troféu não é um status, é um espaço poderoso de transformação, e
eu quero perpetuar meu reinado de um jeito que reverbere na história de
outras tantas pessoas, estimulando mais mulheres a ocupar esse cargo com
sabedoria.” Avô cambista - A
primeira vez que a mãe de Lorena entrou para assistir a uma edição da
Noite da Beleza Negra foi no ano passado, quando a filha foi eleita
princesa. Antes disso, a imagem das realezas negras bailando imponentes
só existia na imaginação de dona Rosângela, que escutava o pai contar
sobre os anos em que trabalhou como cambista na porta da festa. “Meu
avô, já falecido, vendia ingressos, mas nunca colocou minha mãe aqui
dentro... por várias situações. Mas ele contava a ela como acontecia a
Noite da Beleza Negra, como muitas negonas, vestidas como deusas,
bailavam e reinavam. Minha mãe sempre teve o desejo de viver esse lugar,
mas, enquanto menina preta, naquela época, não sentia que tinha
legitimidade, a realeza dela não era convocada. Então, a primeira vez
que ela acessou a sede do Ilê Aiyê foi em 2024, quando me viu ser
consagrada como Princesa do Ébano. E agora, em 2025, ela me vê ser
consagrada como Deusa do Ébano. Isso não tem como não reverberar nela
também. Ela é uma grande Deusa do Ébano, uma inspiração para mim.” Princesas - A
noite de ontem também entrou para a história da psicóloga Tainã Santana
Vieira, 31 anos, moradora da Lapinha, eleita Princesa do Ébano em
segundo lugar, e da arte-educadora Stéphanie Ingrid Souza, 23 anos,
moradora do bairro da Santa Cruz, que conquistou o terceiro lugar e
também reinará como princesa do Ilê Aiyê no Carnaval 2025. “Concorrer
a Deusa do Ébano sempre foi, para mim, uma missão social — um símbolo
de visibilidade para outras mulheres negras da comunidade. Mas, depois
de ter minha filha, esse propósito ganhou um novo significado. Quero que
ela cresça fortalecida em sua identidade de criança e mulher negra, e
encontrei nesse concurso uma ferramenta poderosa para isso. Hoje, ela é a
minha inspiração, e eu quero ser essa referência viva para ela — um
espelho de empoderamento e beleza negra, algo essencial para nossas
crianças”, comentou a vice, Tainã Vieira. Para
Stéphanie, que concorreu pela segunda vez, o Ilê Aiyê é uma grande
escola de transformação. “Desde pequena, os tambores do Ilê ecoavam
sobre o meu corpo e me encantavam. Eu olhava para a Deusa no trio e
sonhava: ‘Imagine eu ali em cima!’. Hoje, esse sonho se tornou
realidade, e chegar ao pódio é uma vitória incrível porque esse lugar é o
nosso por direito ancestral. Carregar esse título é uma grande
responsabilidade. Para quem sonha, eu digo: não desistam. O caminho pode
ser árduo, mas somos fortes, somos pretas, empoderadas, malassombradas —
e tudo que for para ser nosso chega até nós”, comemorou. Espetáculo lindo de ver - Muito
além de um concurso de beleza, a Noite da Beleza Negra é uma celebração
da arte preta. Com o tema “Curuzu é o mundo – E a porta de entrada é a
percussão”, o espetáculo reafirmou o evento como a mais importante ação
afirmativa do bloco afro, provando o quanto o Ilê Aiyê sabe caprichar e
emocionar quando a missão é passar sua mensagem de protagonismo negro
para o mundo. Numa das edições mais bonitas, a plateia cantou alto durante a interpretação da canção Fé,
de Iza, pelas atrizes Jennifer Nascimento e Cris Vianna, e vibrou com a
cantora Larissa Luz em sua performance, que narrou a história de
resistência do Ilê Aiyê em meio a lutas raciais e sociais, exaltando a
percussão como símbolo de liberdade. Depois, ela entrou cantando Tututu e Meu Sexo
junto com a orquestra Aguidavi do Jêje. A apoteótica Rachel Reis fez o
show de encerramento como a grande atração convidada musical do evento. Artista do corpo e da alma - Um
dos momentos mais esperados e especiais da noite foi a homenagem à
figurinista do Ilê Aiyê, Dete Lima, que desde 1974 transforma tecidos e
amarrações em símbolos da beleza e sofisticação do bloco. A atriz Denise
Correia convidou para uma viagem no tempo pela história da Ekedi mais
velha do terreiro Acé Jitolu, enquanto um desfile de deusas de reinados
anteriores celebrou a história contada pelas mãos da artista. “Com
este desfile, celebramos a vida de uma mulher que faz arte, ciência,
psicologia e muito mais. Ela veste as deusas, veste as pessoas, veste os
corpos, mas, acima disso, veste o pensamento, veste a alma, veste a
autoestima. se o ilê aiyê é o mais belos dos belos, tudo passa pelas
mãos dela. Mãos cheias de poder, mãos que traçam caminhos, que apontam o
horizonte, que moldam futuros, mãos cheias de talento. No Quênia
começou a jornada da vida. E aqui no Ilê Aiyê, a memória nunca é
esquecida. E nós agradecemos a Mãe Dete por nos contar essa história”,
destacou a artista. A
apresentadora Val Benvindo entregou a Mãe Dete o troféu: “É com muita
emoção que reverenciamos Dete Lima, minha dinda, por todos esses anos de
Beleza Negra. É a senhora que nos torna mais belas, mais empoderadas e
mais representantes de nós mesmas. Em nome de todos aqui hoje, neste
Ilê, pedimos sua bênção e te reverenciamos com esse troféu”. Ainda
tornaram a noite inesquecível com suas atuações marcantes no palco a
anfitriã Band’Aiyê, o coletivo Afrobapho, a personagem Koanza como
apresentadora-surpresa — ao lado de Arany Santana, Val Benvindo e Sandro
Teles —, a Deusa do Ébano 2024, Larissa Valéria, que passou o manto
para a nova rainha, além das tantas dançarinas e percussionistas que
embalaram a vibração da noite. A direção artística foi assinada por
Ridson Reis.