Foto: Divulgação/Arquivo O Candeeiro
ARTIGO - A anistia que não deve ser = Por Ricardo Viveiros
Existe a proposta de
anistiar aqueles que, em 8 de janeiro de 2023, vandalizaram os prédios dos três
poderes em Brasília. Tal movimento em busca de perdão para terroristas é não
apenas equivocado, mas um verdadeiro atentado ao estado democrático de direito.
A Constituição Federal, no artigo 5º, inciso XLIII, é clara: “[…] a prática do
terrorismo não é passível de anistia.”. Essa premissa deve ser defendida com
tenacidade, pois a anistia que se articula pode abrir perigoso precedente. Além
do que, no “passar o pano”, está a intenção de beneficiar o ex-presidente Jair
Bolsonaro, indiciado e inelegível.
Em uma democracia, a legitimidade do poder emana do respeito às instituições e
à ordem constitucional. Ao conceder perdão a baderneiros, que atacaram símbolos
da nossa república, corre-se o risco de legitimar uma cultura de impunidade. A
ideia de que ações violentas de golpistas podem ser relevadas afronta àqueles
que lutam pela democracia. Seria um incentivo ao desrespeito às instituições,
no qual a desestabilização se torna estratégia viável para aqueles que não
aceitam o legítimo resultado das urnas.
A polarização política que permeia nosso país é evidente e danosa. Entretanto,
o diálogo e a negociação são sempre preferíveis à violência. A anistia a atos
terroristas não apenas deslegitimaria os esforços de pacificação e
reconciliação, mas também incentivaria a ocorrência de novos episódios de
vandalismo e desrespeito à Constituição. Afinal, se os autores de ações
criminosas se sentirem seguros de que não haverá consequências, o ciclo de
violência poderá gerar novos eventos, como o recente ataque com bombas ao STF.
O que se espera de um Estado democrático é a proteção de suas instituições, e
isso passa pela responsabilização de quem comete crimes. A anistia, portanto,
não representa um gesto de paz, mas sim uma capitulação diante de atos ao
arrepio da lei. Não podemos nos esquecer de que o uso da força para derrubar a
ordem estabelecida deve ser tratado com rigor, e a impunidade não pode ser a
resposta.
É importante criar um ambiente em que as divergências sejam resolvidas por meio
do diálogo e da política, e não pela destruição do patrimônio público em nítido
recado de repúdio à democracia. Alguns argumentam que a anistia é um caminho
para a reconciliação. No entanto, essa abordagem ignora a gravidade dos atos
cometidos e o impacto que tiveram sobre a sociedade. A reconciliação verdadeira
se baseia no reconhecimento dos erros, na busca pela justiça e na reparação das
vítimas. O castigo pune, o arrependimento educa.
A sociedade brasileira precisa ser capaz de distinguir o legítimo exercício da
liberdade de opinião do ódio manifestado em nome dela. A anistia a terroristas
não é apenas uma questão legal; é uma questão moral. Devemos nos lembrar das
lições do passado e dos riscos que corremos ao minimizar a gravidade de atos
irresponsáveis.
O momento é de reafirmar nosso compromisso com a democracia e com a justiça,
não apenas em palavras, mas em ações. O respeito às instituições e à lei deve
ser inegociável. A anistia não é a resposta; a responsabilidade, sim. Vamos
construir um futuro em que a violência não seja a solução, mas, sim e em especial,
o respeito mútuo e a efetiva busca pelo desenvolvimento sob o princípio da paz.
Ricardo Viveiros, jornalista,
professor e escritor, é doutor em Educação, Arte e História da Cultura; autor,
entre outros livros, de A vila que descobriu o Brasil, Justiça seja
feita e Memórias de um tempo obscuro.