Psicólogo e Mestre em Psiocologia, Vladimir Nascimento / Foto: Arquivo O Candeeiro
Ditaduras da moda
“Em minha calça está grudado um nome / Que não é meu de batismo ou de cartório / Um nome... estranho / Meu blusão traz lembrete de bebida / Que jamais pus na boca, nessa vida, / Em minha camiseta, a marca de cigarro / Que não fumo, até hoje não fumei (…)”. Assim se inicia o poema “Eu, Etiqueta”, do extraordinário poeta Carlos Drummond de Andrade; destacando as angústias torturantes do ser humano que se dispõe a vivenciar uma infindável busca pelo prestígio.
Muitas vezes o indivíduo age por impulso, sem atentar para a realização dos seus atos e das agravantes consequências. Por exemplo: não é raro um indivíduo se esforçar para comprar uma roupa de grife, inventada por algum estilista de plantão, cujo valor daria para comprar talvez umas dez peças do mesmo modelo, de outra marca; ou seja, pagam caro para fazer propaganda de determinada empresa do ramo, acreditando que vai fazer parte de um grupo seleto, e no final das contas, depois de tantos esforços, quase ninguém percebe aquela minúscula marca apregoada na tão desejada peça de roupa – comum e igual a todas as outras.
Todas essas insinuações são jogadas de marketing infiltradas nas entrelinhas da ditatura da moda, cujo maior objetivo é desfocar atenção do que é realmente necessário para o supérfluo. E Drummond sabiamente antecipou através do título do poema que em breve seremos identificados não mais pelo nosso nome de nascimento, e sim pela etiqueta que usamos. Nossa identidade será moldada fidedignamente pelo que a moda atual ditar, mesmo se aquele modelo de roupa sugerido for totalmente oposto ao nosso gosto pessoal.
Mas, até quando iremos mascarar nossa realidade através dos artifícios que compramos e usamos? Por que precisamos nos sentir aceitos pelos outros, mas não consigo mesmo? Por que vivemos mais a vida alheia do que a nossa? Por que ser refém das rédeas capitalistas como cordeiros ao matadouro, sem resistir? Por que optamos ficar mais pobres (quando compramos, mesmo sem condições), para enriquecer os mais ricos e poderosos?
Lamentavelmente, todas essas grotescas e covardes apelações da moda, inventada e mantida por meia dúzia de empresários ardilosos e malandros, atingem as esferas econômicas mais pobres da população. Geralmente, os mais ricos evitam usar roupas de grifes, a fim de não serem visados por bandidos e, portanto, perder seus bens. Mas, paradoxalmente, aqueles que fazem parte de um estrato social menos favorecido labutam para adquirir um vestuário ditado pela moda, nem que seja por meio da pirataria/falsificação, ostentando um poder econômico que não tem, mas se esforçando a todo custo para se sentirem “visíveis”. Impressionante como caímos facilmente nas manipulações midiáticas e modistas, esquecendo que devemos usar aquilo que podemos e queremos comprar, e deixando-nos guiar por modismos que destorce totalmente quem somos. Lembremos que, quanto a isso, Drummond já nos preveniu: somos seres humanos, não uma etiqueta.
Vladimir de Souza Nascimento
Psicólogo, mestre em Psicologia (UFBA), autor do livro DIFERENÇAS e Palestrante.
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