Blog enigmou
Carta a João Cabral sobre os três-mal-amados
Lembra, João, quando o amor comeu sua existência?
Cada dia ele come um pouco da minha presença
Devora partes do meu corpo que desaparecem
Apaga minhas memórias mais felizes
Faz-me esquecer que tenho raízes.
Torna volúvel quereres aprendizes.
Ah, João, escrevo-lhe esta carta porque o amor me mata!
No desamparo de afetos vazios e volúveis
Nas incertezas de que o tempo urge
E que meu corpo fenece com todas as minhas virtudes.
Lembra que o amor comeu sua identidade?
Não lembro mais meu nome
Não sei mais o que me é próprio.
Sou medicada diante de olhares tortos
Falho nos testes mentais.
João, João Cabral, você descobriu
A terra onde o amor nasceu e partiu
O músculo rítmico das palavras vivas
O exato momento em que o amor come rimas
E que o imortal poeta se sabe vã filosofia.
João, o amor comeu o verbo de sua carne bruta.
Acuso esse réu por sua máxima culpa.
(Manuela Barreto)